Ele considera que "o objetivo da ampliação das bases (dos EUA) na Colômbia é restringir a projeção do poder político e militar do Brasil, frustrando iniciativas como a Unasul e o Conselho Sul-Americano de Defesa."
O segundo artigo vai na mesma direção. Trata-se de análise de Juan Gabriel Tokatlian, professor de Relações Internacionais da Universidade Di Tella e membro do Clube Político Argentino, em artigo publicado no jornal Página/12, em 07-08-2009.
O terceiro artigo, muito mais provocativo e num tom mais radical, é de autoria do venezuelano Luis Britto García - narrador, ensaísta, dramaturgo e autor de mais de 60 livros - e traz também uma análise da presença norte-americana em todo o continente.
1- Entrevista com Moniz Bandeira
A ampliação das instalações militares americanas em território colombiano oferecem quais riscos para a segurança continental?
O objetivo da ampliação das bases na Colômbia é restringir a projeção do poder político e militar do Brasil, frustrando iniciativas como a Unasul e o Conselho Sul-Americano de Defesa. Essas instituições, que dão à América do Sul uma identidade própria, não convém aos Estados Unidos. Não se trata de risco para a segurança continental. A presença dos Estados Unidos sempre foi um fator de desestabilização em todas as regiões do mundo e seu objetivo com a ampliação das bases na Colômbia é fomentar um cisma e impedir a integração econômica e política da América do Sul. A ampliação das bases na Colômbia foi decerto planejada juntamente com a restauração da IV Frota no Atlântico Sul, visando a fortalecer a presença dos Estados Unidos na região e assegurar o controle de seus recursos naturais, como, por exemplo, a água e o petróleo.
Os EUA e a Colômbia caminham para um acordo bilateral. Isso será um erro diplomático do presidente Barack Obama na região?
A ampliação das bases na Colômbia não constitui uma iniciativa do presidente Barack Obama. Ele enfrenta séria oposição interna e não controla todo o aparelho de governo. Não tem muitas condições de reverter a influência do complexo industrial-militar. Atualmente quem pauta a política exterior dos Estados Unidos não é propriamente o Departamento de Estado, mas o Departamento de Defesa, o Pentágono. A militarização da política exterior dos Estados Unidos, formalizada com a criação dos comandos militares, para as diversas regiões, inclusive a América Latina (USSouthern Command), tomou impulso com os atentados de 11 de setembro de 2001. Esses comandos atuam como consulados do Império Americano.
Caso se concretize a ampliação da presença militar americana, o Brasil deve reformular sua política para a Amazônia?
Não há o que reformular na política para a Amazônia como conseqüência da ampliação das bases americanas na Colômbia. Há muitos anos militares dos Estados Unidos trabalham não só na Colômbia como nos demais países limítrofes da Amazônia. E as Forças Armadas estão conscientes da ameaça, ainda que pareça remota. Todos os anos elas realizam operações de treinamento, tendo como primeira hipótese de guerra o enfrentamento com uma potência tecnologicamente superior no teatro de guerra da Amazônia.
2 - As bases americanas na Colômbia têm um alvo: o Brasil
O Conselho Sul-americano de Defesa da Unasul, uma inspiração brasileira, mostrou-se um tigre asiático. Num dos primeiros testes reais, as polêmicas bases estadunidenses na Colômbia não serão alvo de debate no Conselho, isso porque os EUA fizeram forte lobby para que o tema não seja discutido. Ainda mais: as bases americanas na Colômbia têm um alvo: o Brasil e não a Venezuela.
O artigo é de Juan Gabriel Tokatlian, professor de Relações Internacionais da Universidade Di Tella e membro do Clube Político Argentino em artigo publicado no jornal Página/12, 07-08-2009. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
Tudo indica que os Estados Unidos poderá utilizar várias bases militares na Colômbia. O acordo, a ser confirmado brevemente, foi apresentado em Bogotá como continuação e complemento da luta contra o narcotráfico e o terrorismo, e em Washington como substituição da base de Manta, no Equador – que os EUA deve abandonar neste ano –, como localizações para levar a cabo “operações contingentes, logística e treinamento”, de acordo com a linguagem do Pentágono.
Visto a partir da situação concreta da Colômbia, não existe nenhum interesse nacional em jogo nesse tema: os avanços do Estado frente aos diferentes atores armados foram relevantes; os vizinhos ideologicamente antagônicos não ameaçam usar força militar contra o país; os vizinhos mais próximos com a situação interna não agridem a Colômbia, nem insinuam fazê-lo; as nações da América do sul não mostraram condutas oportunistas contra Bogotá nem antes, nem agora; e o hemisfério em seu conjunto está procurando deixar para trás a dinâmica custosa e agressiva da Guerra Fria.
Entretanto, o novo compromisso bilateral pode ser analisado e avaliado a partir de outra perspectiva. Uma delas é desde a ótica dos Estados Unidos e desde o prisma da geopolítica global e regional. Nesse sentido, há um conjunto de pressupostos básicos que não foram alterados com a chegada ao governo do presidente Barack Obama.
Nas últimas décadas – e em particular depois do 11-S – produziu-se um desequilíbrio notável entre o componente militar e o componente diplomático na política externa dos Estados Unidos. A militarização da estratégia internacional de Washington implicou num desproporcional gasto na defesa – em relação com qualquer potencial adversário ou individual ou hipotética coalizão, em comparação ao destinado a diplomacia convencional -, uma desmesurada e perigosa preponderância burocrática no processo de tomada de decisões, e uma ascendente autonomia frente aos civis na política pública do país.
Nesse contexto, desde meados dos anos noventa, o Comando do Sul foi se transformando na etnarca militar dos Estados Unidos para o Caribe e América Latina. Estacionado na Flórida, o Comando Sul tende a comportar-se como o principal interlocutor dos governos da área e o articulador decisivo da política exterior e de defesa estadunidense na região. O perfil pro - consular do Comando Sul se observa e comprova mediante a análise empírica do vasto conjunto de iniciativas, ações, desembolsos, exercícios, dados e manifestações que planeja e executa em torno das relações continentais. O restabelecimento da IV Frota é apenas um dos últimos indicadores de uma ambiciosa expansão militar na região que não contou com nenhum questionamento do Departamento de Estado, nem da Casa Branca.
Nesse sentido, o uso de várias instalações militares na Colômbia facilita ao Comando Sul conseguir parte do seu projeto pro - consular: ir facilitando – naturalizando – a aceitação na área de um potencial Estado gendarme no centro da América do Sul. A mensagem principal é para o Brasil e não para a Venezuela. Para além das coincidências políticas e de negócios entre Brasília e Washington, os Estados Unidos buscará restringir ao máximo a capacidade do Brasil no terreno militar e buscará acrescentar sua própria projeção de poder na Amazônia.
Agora, com uma simples manobra diplomática, os Estados Unidos demonstrou que o recente criado Conselho Sul-americano de Defesa (CSD) de inspiração brasileira, é até agora, um tigre de papel. América do Sul, uma região onde não existem ameaças letais para a segurança estadunidense, não há países que proliferem nuclearmente, não se encontram terroristas transnacionais de alcance global que operam contra interesses de Washington, é uma das regiões mais pacificas do mundo, tem regimes democráticos em todos os países e possui, conjuntamente, um baixo nível de anti-americanismo, não poderá discutir porque o Estados Unidos necessita usar bases militares da Colômbia. Nem Bogotá aceita debater o tema – e dali o desdobramento da diplomacia presidencial bilateral desses dias do presidente Alvaro Uribe – nem Washington necessita explicar sua política na região. Em todo caso, o conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, o general James Jones, já visitou Brasília e informou ao governo do presidente Lula a decisão de seu governo.
Na medida em que a América do Sul continue criando instituições que não podem abordar os temas centrais da região, resultará evidente o seu nível de fragmentação e sua incapacidade de assumir os principais desafios da área. Caracas e ainda Brasília podem viver com ele; para Argentina é ruim. Uma vez que Buenos Aires não é um interlocutor chave (seja por amizade ou oposição) de Washington, carece de uma visão estratégica faz anos, e tem perdido influencia na América do Sul e não aporta uma melhor institucionalização regional. A situação do país é todavia mais delicada: o falido nascimento da CSD é muito custoso para a Argentina.
3 - A máquina de guerra do Império
“Alguém poderia crer que este formidável desdobramento conjunto da maior potência militar do mundo com o país mais militarizado da América Latina seria para derrotar 10.000 insurgentes e não se sabe quantos traficantes? Aponta, antes, para as reservas de hidrocarbonetos, de água e de biodiversidade da Venezuela, Equador e Brasil”, escreve o venezuelano Luis Britto García, em seu blog, no dia 16-08-2009. A tradução é do Cepat.
Luis Britto García é narrador, ensaísta, dramaturgo e autor de mais de 60 livros.
Eis o artigo:
Os Estados Unidos não podem ocupar militarmente toda a América Latina e o Caribe. Seu Exército conta com dois milhões de efetivos; os nossos têm apenas um milhão e meio. Para nos ocupar deveriam mobilizar outro tanto, deslocando-os de outras operações vitais ou recrutando-os. Ambas as operações são logística e economicamente inviáveis. Também criariam problemas de controle social e contra-insurgência, difíceis de serem controlados.
O Império mantém sua hegemonia mediante a pressão sobre os governos cúmplices, a penetração cultural que apresenta como desejável e as bases que facilitam a intervenção militar. Como disse Bush em 2002 ao formular a nova Estratégia de Segurança Nacional: “Os Estados Unidos necessitarão de bases e estações dentro e além da Europa Ocidental e do nordeste da Ásia, assim como de arranjos de acesso temporal para o desdobramento das forças dos Estados Unidos a grande distância”.
A ocupação militar do mundo
Os Estados Unidos ocupam – em propriedade ou aluguel – 6.000 bases militares em seu território e 872 fora dele. Estas alojavam 253.288 soldados, um número equivalente de familiares e pessoal de apoio e 44.446 estrangeiros contratados, e constavam de 44.870 quartéis, hospitais, depósitos e outras estruturas de sua propriedade, e 4.844 arrendados. Decisões soberanas fecharam algumas: pelos acordos sobre o Canal do Panamá, o Império desocupou a Base Howard em 1999; o Brasil lhes negou a projetada Base de Alcântara, no Maranhão, e Rafael Correa ordenou que desalojassem a Base de Manta, no Equador.
Mas restam ainda ao Comando Sul as bases de Guantánamo em Cuba, Vieques em Porto Rico, Soto Cano em Honduras, Comalapa em El Salvador, e no Peru as de Iquitos, que domina a Amazônia, assim como as de Santa Lucía Huallaga, Santa Lucía e Palmapampa. Outra base dos Estados Unidos funciona no Paraguai: os soldados ocupantes desfrutam de impunidade para violar as leis paraguaias. Assim mesmo, o Comando Sul opera 17 bases terrestres de radares: quatro na Colômbia, três no Peru, e várias bases móveis ou de localização secreta nos Andes e no Caribe.
Bases contra a América Latina
No começo do Terceiro Milênio, os Estados Unidos estalam as bases aéreas Rainha Beatriz em Aruba e Hato Rey em Curaçao, como resposta à negativa de Chávez de permitir a instalação de bases e os sobrevôos na Venezuela. Na Colômbia, onde avança uma intervenção militar massiva, já funcionavam as bases aéreas de Las Tres Esquinas e Larandia: aeronaves militares norte-americanas operam nos aeroportos de Aplay, Melgar, Cali, El Dorado, Palanquero, Medellín, Barranquilla e Cartagena. A partir de uma delas, e apoiado com tecnologia e pessoal norte-americano, a Colômbia fez o seu ataque ao Equador no começo de 2008.
Os Estados Unidos têm total domínio sobre estes enclaves. Assim, a Agência EFE em Bogotá informa que “Em 22 de abril, o Embaixador dos Estados Unidos na Colômbia, William Brownfield, reuniu-se com o ministro colombiano de Defesa, Juan Manuel Santos, e lhe comunicou que o Departamento de Estado decidiu levantar o veto que desde janeiro de 2003 aplicava à base aérea de Palanquero, no centro da Colômbia, que estava sancionada desde 1999 quando aviões saídos dali bombardearam erroneamente um povoado e mataram 18 camponeses”. Os Estados Unidos sancionam, impõem ou levantam vetos às bases militares em território colombiano, e seus soldados são imunes às leis da Colômbia. Ao seu colar de enclaves acrescentam agora as bases de Malambo, Palanquero, Apiay, Tumaco, Bahía Málaga, Tolemaida e Forte Larandia.
A ressurreição de Manta
O Comando Sul obteve do regime entreguista do presidente equatoriano Noboa a Base Aérea de Manta, na costa noroeste, que dominava o Putumayo, estendia a vigilância aérea sobre a região andina e proporcionava inteligência ao Exército colombiano e aos esquadrões da morte treinados e dirigidos pelos Estados Unidos. Segundo Pace, Manta “é a chave para reajustar a nossa zona de responsabilidade, nossa arquitetura (o aparato militar) e para estender o alcance da nossa cobertura aérea de Detecção, Controle e Seguimento nas Zonas Fonte (de produção de drogas)” (Zibechi, 2005). O presidente Rafael Correa ordenou de forma categórica a desocupação de Manta. Em seu lugar, os Estados Unidos projetam a instalação de outras duas com iguais capacidades na Colômbia, uma delas em Cartagena, para as operações da IV Frota do Atlântico.
Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=25015
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