Por: Washington Novaes
Fonte: http://www.unisinos.br/_ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=14531
"Ao todo, em meados do século poderão estar perdidos 11% dos ecossistemas, por causa de sobrecarga da agropecuária, implantação de infra-estruturas e mudanças climáticas", escreve Washington Novaes, jornalista, em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, 06-06-2008. Para o jornalista, "o veto do presidente a novos recursos para a área ambiental e a concordância com a exclusão de municípios desmatadores das restrições de crédito, ao mesmo tempo que abre os cofres para conceder subsídios a setores industriais, perdoa parte das dívidas do agronegócio, cancela impostos sobre o consumo de gasolina, entre outras ações, gera o temor de que podem não ser melhores os dias que virão".
Eis o artigo.
Se não estivesse escrito em todos os jornais, não daria para acreditar: o novo ministro do Meio Ambiente estreou no cargo assinando portaria que, "esclarecendo os termos de resolução do Banco Central", permite a concessão de crédito a produtores de 100 dos 527 municípios onde fora registrado forte desmatamento, localizados "na transição entre os biomas amazônico e do Cerrado". Atendeu, assim, a parte das reivindicações do governador Blairo Maggi - a quem vinha quase desafiando. E caberá aos "órgãos ambientais" definir essas áreas excluídas - os mesmos órgãos, extremamente liberais na concessão de licenças para desmatar, aos quais fora repassada essa competência pelo governo federal. Segundo o ministro, a restrição ao crédito "só vale para áreas de floresta" e no bioma amazônico. E o governo federal ainda financiará com juros subsidiados a recomposição das reservas legais obrigatórias pela legislação.
É inacreditável porque faz lembrar episódio já narrado aqui (14/3), de quando o autor destas linhas era secretário do Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia do Distrito Federal. Numa audiência pública, foi perguntado à então presidente do Ibama o que pretendia fazer com o desmatamento e as queimadas no Cerrado. E ela: "Ainda bem que é no Cerrado, não é na Amazônia." O secretário teve de se retirar ostensivamente, para marcar seu protesto, gestor que era de uma unidade da Federação toda ela situada no Cerrado. Mas a presidente explicitava o pensamento de tanta gente que acha o Cerrado um bioma de segunda ou terceira categoria. E sendo tal, não tem importância devastá-lo se com isso se preservar a Amazônia. Esquece-se a inter-relação e interdependência dos biomas; deslembra-se que o Cerrado contribui com parcela significativa das águas amazônicas; que ele detém cerca de um terço da biodiversidade brasileira; que em sua maior parte ocorrem no Cerrado (com desmatamento e queimadas) as emissões de gases, fora da Amazônia (que responde por 59% do total), que intensificam o efeito estufa e mudanças do clima; e ainda que o Cerrado está perdendo 1,1% de sua vegetação, 22 mil km2, por ano, e já perdeu 800 mil no total.
O ministro da Agricultura também deve ter ficado muito satisfeito com a exclusão desse bioma das restrições ao crédito: ele também tem dito que a expansão da agropecuária deve ser feita nas áreas de Cerrado. Mas ele, como outros, deveria ler com atenção alguns dos documentos apresentados na recente reunião das partes da Convenção da Diversidade Biológica, na Alemanha. Seria muito útil para ele e outros que só pensam em termos financeiros. A perda da biodiversidade, diz, por exemplo, o documento oficial alemão (A economia dos ecossistemas e da biodiversidade), poderá vir a custar uma perda de 6% a 7% do produto bruto mundial ao ano, até 2050. Para os países mais pobres poderá significar até metade de seu produto e afetar gravemente as populações mais carentes, que dependem dos ecossistemas naturais para obter alimentos, medicamentos, bioenergias, materiais de construção, etc. - e os muito pobres são quase metade da população mundial.
Ao todo, em meados do século poderão estar perdidos 11% dos ecossistemas, por causa de sobrecarga da agropecuária, implantação de infra-estruturas e mudanças climáticas. Metade das áreas úmidas do planeta estará comprometida. E grande parte dos estoques pesqueiros. Hoje, os países mais ricos, do G-8, somados aos emergentes (China, Índia, África do Sul, Brasil e México), "usam 75% da biocapacidade da Terra", diz o documento alemão. Por essas e outras razões, mais de 80 países assinaram em Bonn um compromisso de chegar a 2020 com desmatamento zero. Que fará o Brasil?
O ministro Mangabeira Unger, responsável pelo Plano Amazônia Sustentável, concorda que precisamos chegar a esse desmatamento zero. Mas, a julgar pelo que está nos jornais, não há razões para ser otimista. Marcelo Furtado, do Greenpeace, por exemplo, diz que "o governo Lula abriu mão da agenda ambiental". Mais grave, João Paulo Capobianco, que foi secretário de Biodiversidade e secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, em entrevista ao jornao O Estado de S. Paulo, (29/5), inclui, entre as razões de sua saída, que "o Ministério não tinha um papel relevante dentro da política do desenvolvimento nacional". E ainda que, "ambientalmente, a sustentabilidade não faz parte da visão do governo. Essa é uma visão secundária."
Ou seja, a "transversalidade" ambiental apregoada pela ex-ministra - para ser parte da visão de todas as áreas do governo - não chegou a se concretizar. Predomina a visão "desenvolvimentista" a qualquer preço, o crescimento do produto bruto como objetivo prioritário e até excludente. Preço que pode ser alto. Como costumava dizer o falecido secretário nacional do Meio Ambiente José Lutzenberger, "nada melhor para o crescimento do PIB que um terremoto: não se contabiliza o prejuízo e as obras de reconstrução fazem crescer as contas do PIB".
Não demorará muito para que se saiba em que compartimento se encaixa o novo ministro, que chega apontado por muitos críticos como "facilitador" de licenciamentos, à custa de prejuízos sérios - na área do petróleo, na dos plantios de monoculturas em grandes extensões, entre outras.
O veto do presidente a novos recursos para a área ambiental e a concordância com a exclusão de municípios desmatadores das restrições de crédito, ao mesmo tempo que abre os cofres para conceder subsídios a setores industriais, perdoa parte das dívidas do agronegócio, cancela impostos sobre o consumo de gasolina, entre outras ações, gera o temor de que podem não ser melhores os dias que virão.
O que será lamentável, diante de diagnósticos tão preocupantes que chegam de reuniões internacionais, como a da Convenção da Diversidade Biológica.
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