A reportagem que colocarei aqui fala de duas mostrar de cinema em Nova Iorque que têm como objeto as comemorações dos 40 anos das manifestações de 1968. Mas ao falar das mostras, fala também do clima da época e das aspirações dessa geração.
Fico pensando porque muito da ousadia dessa época se perdeu. Existia também uma ousadia nos escritos intelectuais (Deleuze, afinal, é filho de 1968). Mas é como se o mundo estivesse de ressaca e tivesse preferido voltar as convenções.
O mundo acadêmico está cheio de textos burocráticos e teses óbvias. Professores, alunos e "intelectuais" em geral citam fartamente modelos mais revolucionários de fazer teórico. Louvam pós-modernistas, pregam "textos confusos" e ensaios, mas sua produção continua sendo mais do mesmo.
O mesmo pode ser dito das artes. Talvez o uso da internet como forma de divulgação literária traga alguma novidade (essa semana haverá, aqui em São Paulo, uma palestra sobre literatura na internet, vamos ver...).
Mas, vamos a reportagem, e relembremos os anseios dessa geração, refletindo onde ela falhou...
A tradução é caseria (e deu um trabalho desgraçado), por isso pode parecer um pouco estranha. Peço desculpas...
O Espírito de 68
Por A. O. SCOTT
Publicado em: 27 de abril de 2008 no New York Times
Pelo menos segundo a lenda, os "acontecimentos de maio" - as greves e as perturbações que perturbaram a França, na Primavera de 1968 - começaram no cinema. Em 9 de fevereiro ,Henri Langlois, presidente do Conselho Nacional do Cinémathèque Française, em Paris, um desengonçado e venerado padrinho da Nouvelle Vague, foi removido de seu posto por André Malraux, o ministro da cultura no Charles de Gaulle. Jovens cinéfilos reagirma com indignação, e os seus protestos desembocaram em uma maré de descontentamento social e político que chegou rapidamente à inundação.
Três meses mais tarde o país foi atacado por motins, manifestações de massa e greves.E mesmo um das mais veneradas tradições e instituições da França, O Festival de Cinema de Cannes, não ficou imnune. O festival chegou a um impasse em 19 de maio, depois de um grupo de cineastas, incluindo Jean-Luc Godard e François Truffaut, professarem solidariedade para com os rebeldes estudantes e trabalhadores, e subirem ao palco do Palais des Festivals e impedirem que as cortinas se levantassem e as projeções do festival tivessem lugar.
Em maio desse ano, alguns dos filmes que não puderam ser mostrados nesse fatídico 21º. Festival de Cannes, serão exibidos no 61º. Festival. Isso faz parte de uma entre várias programações comemorativas dos 40 anos desse ano tumultuado.
Os nova-iorquinos poderão marcar a ocasião com dois ricos e abrangentes programas que visam à captura, na tela, do espírito dessa outra era. Um deles, no Film Forum é dedicado ao Sr. Godard da década de 1960, quando estava no auge da sua influência, produtividade e poder criativo. A outra, no Lincoln Center, estende-se em toda a geografia, tempo e gênero: a partir de Paris e de Chicago, passando a Hungria, Japão e Brasil; de documentários a propaganda de agitação jornalística e o teatro experimental; de declarações revolucionária zelo a contemplações sombrias do esgotamento ideológico e político.
Estas comemorações são uma oportunidade para desempoeirar a história e reviver perenes debates: sobre o imperialismo ocidental e a resistência terceiro-mundista; sobre contracultura e o capitalismo de consumo; sobre sexo, drogas e rock 'n' roll. Entretanto, mais que reviver cenas desse “frenesi Mundial”, é incrível reencontrar, 40 anos depois , algumas dessas experiências cinematográficas de 1968 e se surpreender como são crus, urgentes e vivos.
Mais do que qualquer outra forma artística, o cinema capturou a energia e a verdade desses tempos. Mais do que em qualquer outro momento de nossa história contemporânea, os cineastas não apenas registraram as convulsões e crises, mas foram, acima de tudo, participantes e catalisadores do movimento. Assim foi Godard. Na programação do Film Forum será exibido "La chinoise", filme de Godard começou, concluiu e lançou em 1968, e no qual ele libera seu gosto por epigramas e provérbios; um de seus slogans proclama que, com idéias vagas, precisamos de imagens claras.
Ao contemplar 1968 após 40 anos, parece que temos abundância de ambos: uma noção às vezes borrada e sentimental (também, por vezes cautelosa), acompanhada por imagens nítidas de acontecimentos dramáticos. O ano começa com a ofensiva do Tet,no final de janeiro; segue com os assassinatos de Martin Luther King Jr., em abril, e o do senador Robert F. Kennedy, em junho. Entre eles ocorrem os événements na França e a revolta dos estudantes na Columbia University.
No verão, um vislumbre do massacre de manifestantes estudantis por soldados mexicanos na Praça Tlatelolco, um prelúdio para sangrentas Olimpíadas da Cidade do México onde Tommie Smith e John Carlos fazem a saudação dos Panteras Negras ao receberem as medalhas. Agosto traz a Convenção Democrática em Chicago, esmagada pelas manifestações anti-guerra e de manifestações de policiais.
No outono, tanques soviéticos em Praga esmagam a face humana do socialismo checo. E, em novembro, a "maioria silenciosa", com o pé atrás desde os espetáculos de anarquia e desordem nas ruas, elege Richard M. Nixon presidente dos Estados Unidos. Rode tudo isso junto com uma trilha sonora de slogans e canções de rock clássico. O mundo inteiro está assistindo! Seja realista: Exija o impossível! Há algo acontecendo aqui, o que é isso não está exatamente claro.
E nem o é "La chinoise" de Godard. Ao mesmo tempo cerebral, encantador, irritante e impenetrável - um filme Godard, em outras palavras - representa o seu momento com uma autenticidade que é inegável, e um tanto difícil de precisar. As paixões políticas dos jovens personagens contribuem para este sentimento, é claro, mas o Sr. Godard não está apenas dramatizando um capítulo na vida de gente bonita pelos caminhos da militância.
Na medida em que uma narrativa pode ser diferenciada, fraturado e oblíqua. O elenco - incluindo o sexy biquinho de Juliet Berto, um elemento de fixação do universo de Godard nessa altura de sua carreira, e Jean-Pierre Léaud, o perpétuo “macho ingênuo” da Nouvelle Vague - declama textos literários e discursos didáticos, sendo interrompidos por imagens documentais de guerras e manifestações. Momentos de realidade crua são intercalados a seqüências de uma teratralidade irônica e auto-consciente. (Os mesmos métodos usados em "Le gai savoir", que também estrelam Sr. e Sra. Léaud Berto, e "Un Film Commes les Autres.")
A série no programa do Film Forum é chamada "Godard's 60's", e o possessivo parece perfeitamente adequado. O Sr. Godard, agora com 77 anos, foi seguramente o mais amplamente imitado e ferozmente debatido cineasta da década, e pode-se afirmar que ele era o artista mais influente da época. Desde de "Breathless", em 1960, até "Le gai savoir", em 1969, o Sr. Godard foi uma máquina cinematográfica em perpétuo movimento, completando 23 filmes e contribuindo para uma série de antologias e outras produções. Esta taxa de produção não era apenas um resultado de um metabolismo artístico acelerado, mas também, e mais decisivamente, a promulgação de um princípio estético. O cinema para Godard nos anos 60 era uma arte do tempo presente, o que significava que um filme não é uma série de enquadramentos acabados, mas sim algo mais como um ensaio: provisório, disjuntivo e quase por definição incompleto.
O Sr. Godard era praticamente o único cineasta da era que abraçou a experimentação. Um discurso no final de "Le gai savoir" sugere que ele viu-se como parte de uma fraternidade internacional cineastas iconoclastas, incluindo Bernardo Bertolucci na Itália e Glauber Rocha, o pai do Cinema Novo Latino-Americano, no Brasil. Uma forte impressão é deixada pelo programa "1968: uma perspectiva internacional", no Film Society of Lincoln Center, de que os paroxismos políticos e culturais dos anos 60 foram acompanhadas de uma revolução na forma cinematográfica e técnica, um impulso que pulou fronteiras de língua e nacionais e alimentou impulsos semelhantes nas outras artes.
Na vanguarda do teatro, por exemplo, as distinções entre espetáculo e platéia, entre ritual e performance, estavam sobre questionamentos constantes. No mundo das letras, livros como “Armies of the night” de Norman Mailer espezinhavam as distinções entre ficção e reportagem, assim como entre a investigação subjetiva e a análise objetiva dos acontecimentos.
O cinema americano, em parte devido ao conservadorismo dos estúdios de Hollywood, fica atrás do cinema de outros países. Talvez a mais famosa colisão entre a vida e a arte em um filme americano é "Medium Cool" de Haskell Wexler, no qual a violência de Chicago durante a convenção do partido democrata desembocará na história fictícia de um jornalista a caça de notícias . À medida que “Billy Cubs” e gás lacrimogêneo começam a voar, uma voz em off lança a advertência: “Cuidado, Haskell. Isso é real!”.
Mas, em Chicago e noutros lugares, acontecimentos reais freqüentemente continham elementos de espetáculo e de performance. Alguns organizadores do protesto anti-guerra, Abbie Hoffman e Jerry Rubin, em particular, concebiam explicitamente suas ações como uma espécie improvisações teatrais autoconscientes. Este tráfego entre a política e performance teatral é explorado em outra direção, "Dionysus in 69" de Brian De Palma, filmagens de um grupo de teatro durante a produção de "As Bacantes" de Eurípedes. Alguém da aldiência é puxado em uma orgia simulada com os membros do elenco, que periodicamente perdem os seus papéis juntamente com suas roupas. No final todos explodem para fora do teatro, para a rua em um simulação de um ardor político, proclamando Dioniso, deus do vinho e das trapaças (desempenhado por William Finley, que faria, também de De Palma, “The Phantom of paradise”), para ser seu patrono, em 1968, à eleição presidencial. (Em Chicago, os Yippies iriam tentar nomear um porco para o cargo.)
O que é mais notável em retrospectiva - o que parece estranho e tocante sobre essas invocações revolucionárias - é o espírito do ascetismo, da seriedade e gravidade apaixonada, que conduziam as experimentações. Para retornar ao Sr. Godard por um momento: seus filmes de 68 são lúdicos, com certeza, ( "Weekend", em particular, está cheio de piadas afiadas e de sátira apocalíptica), mas são também dão enorme trabalho para assistir. E o mesmo se pode dizer de muitos outros filmes no programa no Lincoln Center, desde "WR: Mysteries of the Organism" o filme anárquico-sexual-político de Dusan Makavejev' (inspirado em Wilhelm Reich), até o feroz épico-folclórico "Deus e o diabo na terra do sol” de Glauber Rocha, além de " It Is Not the Homosexual Who Is Perverse, but the Society in Which He Lives", de Rosa von Praunheim. Crítica delirantemente extrovertida e dolorosamente séria da vida gay na sociedade burguesa .
Ver esses filmes requer um tipo de auto-negação e atenção centrada e ativa que talvez possam ser descritos como disciplina revolucionária. A experiência é um dura e dolorosa e parecendo querer colocar o espectador na posição de partilha, não apenas na posição de testemunha, do que se passa na tela. Assitir na seqüência "La chinoise,'' " Un Film Commes les Autres "e" Le gai savoir " é como uma interminável série de reuniões numa agenda opressora e inescrutável.
Uma boa parte da ação nestes filmes são conversas. O filme de von Praunheim, um documentário educacional sob a forma de retrato a exploração sexual (ou vice-versa), termina com uma cena que parece ao mesmo tempo comemoração e paródia radical da política da época. Um punhado de homens nus sentados em círculo, fumando, e pacientemente criticando tanto a moralidade tradicional como o comportamento homossexual, propondo alianças entre os ativistas gays e os trabalhadores como um substituto para o exercício de prazer, e de declarando um ideal de seres "eroticamente livre e socialmente empenhados”
Muitos dos impulsos idealistas dessa geração deram frutos, embora seus objetivos mais utópicos tenham falhado. Alguns dos emocionantes filmes exibidos no Lincoln Center (bem como alguns dos recentes trabalhos do Sr. Godard, que sai fora do âmbito da retrospectiva em cartaz no Film Forum) contam esse fracasso e a derrocada que se seguiu à nasci morta revoluções de 1968.
Um deles é "Jonas Who Will Be 25 no Ano 2000" (1976), de Alain Tanner, que capta um momento pastoral na vida dos ex-radicais. Em Genebra, e nos campos em redor, que lecionam, trabalham a terra, fazem amor, bebem vinho e brigam, tudo isso agarrados à convicção de que outro modo de vida é possível. E os personagens de "Milestones" (1975), feita por Robert Kramer e John Douglas, encontram-se em situações semelhantes, a tentativa de navegar entre os compromissos políticos e desejos pessoais tentando descobrir o que é que.
Sendo europeus, os personagens de "Jonas" expressam os seus desejos subjectivos num linguajar marxista (ou pelo menos hegeliano) de forças impessoais históricas e dialéticos. Os norte-americanos nos em "Milestone", pelo contrário, utilizam a o idioma emersoniano do ego para dar voz à sua compreensão da história. Ambos os filmes exigem, da platéia nos dias de hoje, um grau de indulgência. Eles são longos, lentos, pesados e cheios de conversa. "Milestones", em especial, com atores não-profissionais alternando entre roteiro e cenas da vida real (incluindo uma longa cena de parto natural) que podem parecer infinitas e, por vezes, inúteis.
Mas a História também pode ser assim (lenta e pesada), e tenho a sensação que qualquer tentativa de captar a essência dos anos 60 terá de passar por "Milestones", um dos filmes mais tristes e compassivos que já vi. E também difícil, porque não me parece que queira ser um filme, mas sim uma tentativa de manter viva uma das nobres e impossíveis promessas de seu tempo, que era de abolir a distinção entre arte e vida.
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