sexta-feira, 5 de outubro de 2007

O Gosto da Liberdade

Ofereço aos leitores um precioso presente: trata-se de um fragmento da obra "O Gosto da Liberdade", do Mestre Ajaan Chah, extraído do site http://www.acessoaoinsight.net/ e cujo conteúdo completo pode também ser acessado naquele site.

Achei conveniente também transcrever a seguinte nota do tradutor:

"As palestras traduzidas neste livro foram todas extraídas de antigas gravações em fitas K-7 do Venerável Ajaan Chah, algumas em Tailandês e algumas no dialeto do Nordeste da Tailândia, a maioria delas gravadas com equipamento de má qualidade sob condições pouco adequadas. Devido a isso o trabalho de tradução apresentou algumas dificuldades que foram superadas omitindo ocasionalmente passagens que não estavam claras e em outras ocasiões solicitando o auxílio de outros ouvintes mais familiarizados com os idiomas. Todavia, houve inevitavelmente alguma edição durante o processo de elaboração deste livro. Além das dificuldades apresentadas pela falta de claridade das fitas, existe também a necessidade de um processo de edição quando se passa do meio verbal para o meio escrito. Por esse processo, o tradutor assume inteira responsabilidade.

As palavras em Pali foram em certos casos mantidas enquanto que em outros casos foram traduzidas. O critério foi a facilidade da leitura. Aquelas palavras em Pali consideradas suficientemente curtas ou familiares aos leitores versados na terminologia Budista, foram deixadas sem tradução. Isso não deve representar nenhuma dificuldade pois elas em geral são explicadas pelo Venerável Ajaan no transcurso da palestra. Palavras mais longas ou que provavelmente não são do conhecimento do leitor típico foram traduzidas. Dessas, existem duas que são dignas de nota. Elas são Kamasukhallikanuyogo e Attakilamathanuyogo, que foram traduzidas respectivamente como Entregar-se ao Prazer e Entregar-se à Dor. Essas duas palavras ocorrem em nada menos que cinco das palestras incluídas neste livro e embora as traduções aqui utilizadas não são aquelas que em geral se empregam, elas refletem adequadamente o sentido que o Venerável Ajaan lhes aplica.

O Venerável Ajaan Chah sempre proferia as suas palestras em linguagem simples, do cotidiano. O seu objetivo era de esclarecer o Dhamma, não de confundir os ouvintes com uma dose excessiva de informações. Por conseguinte as palestras aqui apresentadas foram passadas de forma simples para o inglês. O objetivo foi o de apresentar os ensinamentos de Ajaan Chah tanto na sua essência como na sua forma.

Nesta terceira edição do O Gosto da Liberdade, foram feitas correções a algumas passagens que estavam compostas de forma desajeitada, esperando assim que existam menos dessas ocorrências do que nas primeiras edições. Por essas imperfeições o tradutor assume responsabilidade e espera que o leitor tenha paciência com as eventuais deficiências literárias de forma a receber o benefício completo dos ensinamentos aqui contidos.
"

Sobre o Autor

O Venerável Ajaan Chah (Pra Bhodinyana Thera) nasceu em uma típica família camponesa no vilarejo de Bahn Gor, na província de Ubol Rachathani, na região Nordeste da Tailândia em 1917. Ele viveu a primeira parte da sua vida como qualquer outra criança da região rural na Tailândia e, de acordo com o hábito local, ele se ordenou como noviço durante alguns anos no Wat do vilarejo, lá ele aprendeu a ler e escrever, além de receber alguns ensinamentos básicos sobre o Budismo. Após alguns anos ele retornou para a vida leiga para ajudar os seus pais, mas sentindo uma grande atração pela vida monástica, com vinte anos ele novamente entrou em um Wat, desta vez para uma ordenação mais elevada como bhikkhu, ou monge Budista.

Ele passou os primeiros anos da sua vida como bhikkhu estudando as escrituras e aprendendo o Pali, mas a morte do pai o despertou para a impermanência da vida e incutiu nele o desejo de encontrar a real essência dos ensinamentos do Buda. Ele passou a viajar para outros monastérios, estudando a disciplina monástica em detalhe e passando um breve, porém importante período com o Venerável Ajaan Mun, o Mestre de meditação mais destacado da tradição ascética de florestas. Após o seu período com o Venerável Ajaan Mun, ele passou alguns anos viajando pela Tailândia, vivendo nas florestas e em cemitérios, lugares ideais para o desenvolvimento da prática meditativa.

Finalmente, ele acabou chegando na vizinhança do vilarejo onde havia nascido e quando souberam que ele se encontrava na região, o convidaram para estabelecer um monastério na floresta de Pa Pong, um lugar que naquela época era conhecido como a moradia de animais selvagens e fantasmas. A perfeita abordagem de meditação do Venerável Ajaan Chah, ou prática do Dhamma, e o seu estilo simples e direto de ensino, com ênfase na aplicação prática e uma atitude equilibrada, atraiu uma grande quantidade de seguidores monásticos e leigos.

Em 1966, o primeiro ocidental veio para ficar no Wat Pa Pong, o Venerável Sumedho Bhikkhu. Daquele momento em diante, o número de estrangeiros que buscaram Ajaan Chah foi crescendo continuamente, até que em 1975, foi estabelecido Wat Pa Nanachat, o primeiro monastério afiliado para pessoas do ocidente e de outras nacionalidades que não a Tailandesa, tendo o Venerável Ajaan Sumedho como abade.

Em 1976 o Venerável Ajaan Chah juntamente com Ajaan Sumedho foram convidados para ir à Inglaterra e como resultado, acabou sendo estabelecido o primeiro monastério afiliado ao Wat Pa Pong fora da Tailândia. Desde então outros monastérios afiliados foram estabelecidos na Inglaterra, Suíça, Austrália, Nova Zelândia e Itália.

Em 1980 o Venerável Ajaan Chah começou a sentir de maneira mais aguda os sintomas de vertigem e lapsos de memória que ele vinha sentindo ao longo de alguns anos. Isso acarretou uma cirurgia em 1981 que, no entanto, fracassou no seu objetivo de reverter o processo de paralisia, que, afinal, fez com que ele ficasse confinado à cama e impossibilitado de falar. No entanto, isso não inibiu o crescimento do número de monges e pessoas leigas que vinham para praticar no seu monastério, para eles os ensinamentos de Ajaan Chah serviam como guia e inspiração permanentes.

O Gosto da Liberdade

Por: Ajaan Chah

Sobre Meditação

Acalmar a mente significa encontrar o equilíbrio correto. Se você tentar forçar a sua mente em demasia ela irá longe demais, se você não se esforçar o suficiente ela não irá chegar lá, ela perde o ponto de equilíbrio.

Normalmente a mente não está tranqüila, ela está se movendo o tempo todo, lhe falta força. Fortalecer a mente e fortalecer o corpo não é a mesma coisa. Para fortalecer o corpo necessitamos exercitá-lo mas para fortalecer a mente significa fazer com que ela fique em paz, que não fique pensando acerca disto ou daquilo. Para a maioria das pessoas a mente nunca esteve em paz, ela nunca teve a energia de samadhi, [1 ] por isso, devemos colocá-la dentro de limites. Sentamos em meditação, permanecendo com Aquele que sabe.

Se forçamos a nossa respiração para que seja muito longa ou muito curta, não estaremos em equilíbrio, a mente não ficará em paz. É o mesmo quando usamos uma máquina de costura com pedal pela primeira vez. Inicialmente praticamos somente com o pedal, de forma a ajustar nossa coordenação, antes que costuremos alguma coisa. Acompanhar a respiração é parecido. Nós não nos preocupamos se ela é longa ou curta, fraca ou forte, nós somente a observamos. Deixamos que seja como deve ser e acompanhamos a respiração natural.

Quando ela estiver equilibrada, tomamos a respiração como nosso objeto de meditação. Quando inspiramos, o começo da respiração está na ponta do nariz, o meio da respiração está no peito e o final da respiração está no abdômen. Esse é o caminho da respiração. Quando expiramos, o início da respiração está no abdômen, o meio no peito e o final na ponta do nariz. Simplesmente observamos o caminho da respiração na ponta do nariz, no peito e no abdômen e depois no abdômen, no peito e na ponta do nariz. Notamos esses três pontos de forma a fazer com que a mente fique estável, para conter a atividade mental de tal forma que a atenção plena e a autoconsciência possam surgir com facilidade.

Quando formos capazes de notar esses três pontos poderemos soltá-los e notar a inspiração e a expiração, concentrando exclusivamente na ponta do nariz ou no lábio superior, onde o ar toca quando entra e sai. Nós não precisamos seguir a respiração, simplesmente estabelecemos a atenção plena à nossa frente, na ponta do nariz e notamos a respiração nesse único ponto - entrando, saindo, entrando, saindo. Não há necessidade de pensar acerca de algo especial, agora, concentre-se nessa simples tarefa, mantendo continuamente a mente atenta. Não há nada mais a ser feito, somente inspirar e expirar.

Em pouco tempo a mente ficará tranqüila, a respiração mais sutil. A mente e o corpo se tornam leves. Esse é o estado correto para a tarefa da meditação.

Quando estamos sentados em meditação a mente se torna refinada, mas em qualquer estado em que ela se encontre devemos tentar ter consciência dele, conhecê-lo. A atividade mental está ali junto com a tranqüilidade. Existe vitakka. Vitakka é a ação de trazer a mente para o tema da contemplação. Se não existe muita atenção plena, não haverá muito vitakka. Então vicara, a contemplação em torno daquele tema, segue. Várias impressões mentais "mais fracas" podem surgir de tempos em tempos mas a nossa autoconsciência é o mais importante - não importa o que esteja acontecendo nós temos conhecimento dela continuamente. À medida que nos aprofundamos estamos constantemente conscientes do estado em que se encontra a nossa meditação, sabendo se a mente está ou não firmemente estabelecida. Dessa forma, ambos, a concentração e a atenção plena estarão presentes.

Ter uma mente tranqüila não quer dizer que nada está acontecendo, as impressões mentais continuam surgindo. Por exemplo, quando falamos sobre o primeiro nível de absorção, dizemos que ele possui cinco fatores. Juntamente com vitakka e vicara, piti (êxtase) surge com o tema da contemplação e depois sukha (felicidade). Essas quatro coisas estão todas juntas na mente que se firmou na tranqüilidade. Elas são como um estado único.

O quinto fator é ekaggata ou unificação da mente em um só ponto. Você deve estar perguntando a si mesmo como pode haver a unificação quando também existem esses outros fatores. Isso ocorre porque eles ficam todos unificados com base na tranqüilidade. Juntos eles são chamados de o estado de samadhi. Eles não são estados do cotidiano da mente, eles são fatores de absorção. Existem essas cinco características mas elas não perturbam a tranqüilidade básica. Existe vitakka, mas ela não perturba a mente; vicara, êxtase e felicidade surgem mas não perturbam a mente. Portanto, a mente e esses fatores estão como se fossem uma coisa só. Assim é o primeiro nível de absorção.

Nós não precisamos chamá-lo de Primeiro Jhana, Terceiro Jhana e assim por diante, vamos chamá-lo simplesmente de ”uma mente tranqüila". Conforme a mente vai progressivamente se acalmando, ela irá dispensar vitakka e vicara, restando somente êxtase e felicidade. Porque a mente descarta vitakka e vicara? A razão é porque a mente vai se tornando mais refinada e a atividade de vitakka e vicara é muito grosseira para que possa permanecer. Neste estágio, quando a mente abandona vitakka e vicara, sentimentos de intenso êxtase podem surgir, lágrimas podem aflorar. Mas conforme o samadhi se aprofunda, o êxtase também é descartado, ficando somente a felicidade e a unificação da mente em um só ponto até que finalmente, mesmo a felicidade se vai e a mente atinge o ponto mais elevado de refinamento. Existe apenas equanimidade e unificação da mente em um só ponto, todo o demais foi deixado para trás. A mente permanece imóvel.

Uma vez que a mente esteja tranqüila tudo isso pode acontecer. Você não precisa pensar muito a respeito disso, isso acontece por si mesmo. A isto se chama de a energia de uma mente tranqüila. Nesse estado, a mente não está sonolenta; os cinco obstáculos, desejo sensual, aversão, inquietação, torpor e dúvida, foram todos embora.

Mas se a energia mental não for forte o suficiente e a atenção plena for fraca, ocasionalmente surgirão impressões mentais intrusas. A mente está tranqüila mas é como se houvesse uma "névoa" dentro dessa tranqüilidade. Não é um tipo de sonolência comum no entanto, algumas impressões irão se manifestar - talvez ouçamos um som ou vejamos um cachorro ou outra coisa. Não está absolutamente claro mas também não é um sonho. Isto ocorre porque os cinco fatores se tornaram desequilibrados e fracos.

A mente tem a tendência de nos pregar peças nesses níveis de tranqüilidade. "Imagens" podem surgir certas vezes quando a mente está nesse estado, através de qualquer um dos sentidos e o meditador poderá não ser capaz de identificar o que exatamente está acontecendo. "Estou dormindo? Não. É um sonho? Não, não é um sonho…" Essas impressões surgem a partir de um tipo de tranqüilidade média; mas se a mente estiver verdadeiramente tranqüila e cristalina não teremos dúvidas acerca das várias impressões mentais ou imagens que surgirem. Questões como, "Eu fiquei à deriva? Eu estava dormindo? Eu me perdi? " não surgem pois elas são a característica de uma mente que ainda duvida. "Estou dormindo ou acordado?"…Aqui está confuso! Essa é a mente que está ficando perdida nos seus humores. É como a lua se escondendo atrás de uma nuvem. Você ainda pode ver a lua mas as nuvens que a cobrem fazem com que ela não possa ser vista com clareza. Não é como a lua que surgiu por detrás das nuvens - clara, bem definida e brilhante.

Quando a mente está tranqüila e com a atenção plena firmemente estabelecida, não haverá dúvida em relação aos vários fenômenos que encontramos. A mente terá verdadeiramente superado os obstáculos. Conheceremos com clareza, como na verdade é, tudo aquilo que surgir na mente. Não teremos dúvida porque a mente está clara e luminosa. A mente que alcança o samadhi é assim.

No entanto, algumas pessoas têm dificuldade de entrar em samadhi porque este não convém às suas inclinações. O samadhi existe mas não é forte ou firme. Mas a pessoa pode alcançar a paz através da sabedoria, contemplando e vendo a verdade das coisas, solucionando os problemas por esse caminho. Isto é a utilização da sabedoria ao invés do poder de samadhi. Para alcançar a tranqüilidade na prática, não é necessário sentar em meditação. Somente pergunte a si mesmo, "Ei, o que é isso?…" e solucione o seu problema exatamente nesse momento! Assim é uma pessoa sábia. Talvez ela realmente não consiga atingir níveis elevados de samadhi, embora ela desenvolva algo, o suficiente para cultivar a sabedoria. É a diferença entre cultivar arroz e cultivar milho. A pessoa pode depender mais de arroz do que milho para o seu sustento. A nossa prática pode ser assim, dependemos mais da sabedoria para solucionar os problemas. Quando vemos a verdade, a paz surge.

As duas formas não são iguais. Algumas pessoas possuem insight e sólida sabedoria mas não possuem muito samadhi. Quando elas sentam para meditar elas não ficam muito tranquilas. Elas tendem a pensar muito, contemplando isso ou aquilo até que finalmente elas contemplam a felicidade e o sofrimento e enxergam neles a verdade. Algumas se inclinam mais para isso do que samadhi. Quer seja em pé, caminhando, sentado ou deitado, [3] a iluminação do Dhamma poderá ocorrer. Vendo e abandonando, elas alcançam a paz. Elas alcançam a paz conhecendo a verdade sem ter qualquer dúvida, porque elas a viram por si mesmas.

Outras pessoas possuem somente pouca sabedoria mas o seu samadhi é bastante sólido. Elas podem entrar em profundo samadhi rapidamente, mas não tendo muita sabedoria, elas não conseguem agarrar as suas impurezas, elas não as conhecem. Elas não conseguem resolver os seus problemas.

Mas independentemente da abordagem que usemos, precisamos eliminar a maneira incorreta de pensar, deixando ficar somente o Entendimento Correto. Precisamos eliminar a confusão, deixando somente a paz. De ambas maneiras chegaremos ao mesmo lugar. Existem esses dois aspectos da prática, mas essas duas coisas, tranqüilidade e insight, caminham juntas. Não podemos eliminar nenhuma delas. Elas precisam ir juntas.

Aquilo que "inspeciona" os vários fatores que surgem na meditação é 'sati', atenção plena. Sati é uma condição que, através da prática, pode auxiliar outros fatores a surgirem. Sati é vida. Sempre que não tivermos sati, quando formos desatentos, é como se estivéssemos mortos. Se não temos sati, então o que falamos e fazemos não possui nenhum significado. Sati é simplesmente recordação. É a causa do surgimento da autoconsciência e sabedoria. Quaisquer virtudes que tenhamos cultivado serão imperfeitas se lhes faltar sati. Sati é o que nos observa quando estamos em pé, caminhando, sentados e deitados. Mesmo quando não estamos mais em samadhi, sati deveria estar sempre presente.

Tomamos cuidado com qualquer coisa que façamos. Uma sensação de vergonha [4] irá surgir. Ficaremos envergonhados das coisas que fazemos e que não são corretas. Conforme a vergonha aumenta, o nosso auto controle também aumenta, quando o nosso autocontrole aumenta a desatenção irá desaparecer. Mesmo que não sentemos em meditação, esses fatores estarão presentes na mente.

E isto surge devido ao fato de cultivarmos sati. Desenvolva sati! Esse é o dhamma que inspeciona o trabalho que estamos fazendo ou que fizemos no passado. Ele tem utilidade. Devemos nos conhecer o tempo todo. Se nos conhecermos dessa forma, o certo irá se distinguir do errado, o caminho irá se tornar claro e o motivo para toda a vergonha irá se dissolver. A sabedoria irá surgir.

Podemos resumir toda a prática em virtude, concentração e sabedoria. Ter autocontrole, isso é virtude. O firme estabelecimento da mente dentro desse controle é concentração. Para completar, o conhecimento amplo dentro da atividade na qual estamos engajados é sabedoria. A prática, em resumo, é apenas virtude, concentração e sabedoria ou em outras palavras, o caminho. Não existe outra alternativa.


"...Com o samadhi correto, não importa qual nível de tranqüilidade é alcançado, existe a consciência. Existe atenção plena e clara compreensão. Esse é o samadhi que pode dar origem à sabedoria, a pessoa não será capaz de se perder nele. Os praticantes devem entender isto muito bem..."

O Caminho em Harmonia

Hoje eu gostaria de lhes perguntar. "Vocês estão seguros, vocês têm certeza da sua prática de meditação?" Eu pergunto porque atualmente existem muitas pessoas ensinando meditação, tanto monges como leigos e eu temo que vocês possam estar sujeitos à incerteza e a dúvida. Se entendermos claramente, seremos capazes de fazer com que a mente seja firme e tranqüila.
Vocês devem entender o "Caminho Óctuplo" como sendo virtude, concentração e sabedoria. O caminho é simplesmente isso. A nossa prática consiste em fazer com que esse caminho se desenvolva dentro de nós.

Quando sentamos em meditação nos dizem para fechar os olhos, não olhar para nada mais porque agora iremos olhar diretamente para a mente. Quando fechamos os nossos olhos, a nossa atenção se volta para dentro. Estabelecemos nossa atenção na respiração, centralizamos ali as nossas sensações, colocamos ali a nossa atenção plena. Quando os elementos do caminho estiverem em harmonia seremos capazes de ver a respiração, as sensações, a mente e os seus humores da forma como realmente são. Aqui veremos o "ponto de foco", para onde samadhi e os demais elementos do Caminho convergem em harmonia.

Quando estiverem sentados em meditação, seguindo a respiração, pensem consigo mesmo que agora vocês estão sentados sozinhos. Não existe ninguém sentado à sua volta, não existe nada mais. Desenvolvam essa pensamento de que vocês estão sentados sozinhos até que a mente solte de tudo que é externo, concentrando-se somente na respiração. Se vocês estiverem pensando, "Esta pessoa está sentada aqui, aquela pessoa está sentada ali", não haverá paz, a mente não vem para dentro. Simplesmente coloquem tudo isso de lado até que vocês sintam que não existe ninguém sentado a sua volta, até que não exista nada mais, até que vocês não tenham nenhuma hesitação ou interesse naquilo que está a sua volta.

Deixem que a respiração flua com naturalidade, não a force para que seja curta, longa ou o que quer que seja, simplesmente fiquem sentados e observem ela entrar e sair. Quando a mente se solta de todas as sensações externas, os ruídos de carros e outros barulhos não irão perturbá-los. Nada, quer sejam visões ou sons, irá perturbar, porque a mente não os estará recebendo. A sua atenção estará concentrada na respiração.

Se a mente está confusa e não se concentra na respiração, inspirem fundo, o mais fundo que vocês puderem e depois expirem até que não reste nada. Façam isso três vezes e depois re-estabeleçam a sua atenção. A mente irá se acalmar.

É natural que ela se acalme durante algum tempo e que depois a inquietação e a confusão possam surgir outra vez. Quando isso acontecer, concentrem-se, respirem fundo outra vez e depois re-estabeleçam a sua atenção na respiração. Continuem fazendo isso. Quando houver ocorrido isso algumas vezes, vocês se tornarão peritos nisso, a mente irá se soltar de todas as manifestações externas. Impressões externas não irão atingir a mente. Sati estará firmemente estabelecido. À medida que a mente for ficando mais sutil, assim também a respiração. As sensações irão ficar cada vez mais sutis, o corpo e a mente ficarão leves. A nossa atenção estará somente no que é interno, veremos a inspiração e a expiração claramente, veremos todas as impressões claramente. Veremos a Virtude, Concentração e Sabedoria se unindo. A isto se denomina o Caminho em harmonia. Quando existe harmonia a nossa mente ficará livre da confusão, estará unificada. A isto se denomina samadhi.

Após observar a respiração por um longo tempo, ela pode se tornar bastante sutil, a atenção na respiração irá cessar gradualmente, restando somente a atenção pura. A respiração pode ficar tão sutil que desaparecerá! Talvez estejamos "apenas sentados", tal como se não houvesse respiração. Na verdade existe a respiração mas a impressão é de que ela não existe. Isto ocorre porque a mente atingiu o seu estado mais sutil, existe somente a atenção pura. Ela foi além da respiração. O conhecimento de que a respiração desapareceu se torna estabelecido. O que tomaremos agora como objeto de meditação? Tomamos esse conhecimento como nosso objeto, isto é, a consciência de que não existe respiração.

Coisas inesperadas podem acontecer neste momento; algumas pessoas as experimentam, outras não. Se elas surgirem, devemos ser firmes e manter uma sólida atenção plena. Algumas pessoas vêm que a respiração desaparece e ficam com medo, elas temem que possam morrer. Nesse caso devemos entender a situação apenas pelo que ela é. Nós simplesmente notamos que não há respiração e tomamos isso como objeto da nossa atenção. Esse, podemos dizer, é o tipo de samadhi mais firme e mais seguro. Existe somente um estado da mente, firme e imóvel. Talvez o corpo se torne tão leve que é como se não houvesse corpo. Sentimos como se estivéssemos sentados em um espaço vazio, tudo parece vazio. Embora isso possa parecer muito estranho, vocês devem entender que não existe motivo para se preocupar. Estabeleçam a sua mente firmemente dessa forma.

Quando a mente está firmemente unificada, e já não é perturbada por impressões dos sentidos, a pessoa pode permanecer nesse estado pelo tempo que quiser. Não haverão sensações dolorosas que a perturbem. Quando o samadhi atingiu esse nível, poderemos deixá-lo quando quisermos, porém se deixarmos esse samadhi o faremos de maneira confortável, não porque ficamos entediados ou cansados. Nós o deixamos porque estamos satisfeitos por agora, nos sentimos relaxados, sem nenhum tipo de problema.

Se podemos desenvolver esse tipo de samadhi, e nos sentarmos, digamos, trinta minutos ou uma hora, a mente estará relaxada e calma por muitos dias. Quando a mente está assim relaxada e calma, ela está limpa. Tudo aquilo que experimentarmos, a mente irá tomar e investigar. Esse é um fruto do samadhi.

A virtude possui uma função, a concentração possui outra função e a sabedoria outra. Esses elementos são como um ciclo. Podemos vê-los todos dentro de uma mente tranqüila. Quando a mente está calma ela possui moderação e autocontrole devido à sabedoria e a energia da concentração. À medida em que ela fica mais controlada ela se torna mais sutil, o que por conseguinte dá força para que a virtude incremente a sua pureza. Na medida em que a virtude se purifica, isso auxilia no desenvolvimento da concentração. Quando a concentração está firmemente estabelecida ela auxilia o surgimento da sabedoria. Virtude, concentração e sabedoria se auxiliam mutuamente, elas estão inter-relacionadas dessa forma. No final o Caminho se converte em um só e opera todo o tempo. Devemos buscar a força que se origina do caminho, porque é a força que conduz ao Insight e Sabedoria.

Notas:

1. Samadhi é o estado de tranqüilidade com concentração que resulta da prática de meditação.

2. Jhana é um estado avançado de concentração ou samadhi, em que a mente fica absorvida pelo seu objeto de meditação. Ele está dividido em quatro níveis, cada um progressivamente mais refinado que os anteriores.

3. Isto é, todo o tempo, em todas atividades.

4. Esta é uma "vergonha" que tem como base o conhecimento da lei de causa e efeito, ao invés do mero sentimento de culpa.

Um comentário:

Anônimo disse...

Agradeço sua visita e suas palavras gentis. Esse seu post contém um ensinamento e tanto. A linguagem dele é clara, mas a aplicabilidade do seu ensino extremamente difícil para mim, e talvez para o homem ocidental em geral.
Na sequencia dos elementos que levam à tranquilidade tenho parado exatamento no piti.
E nunca havia pensado que tranquilidade e insight devessem caminhar juntos.
É, acho que vou ter que ler tudo de novo...
Abs
Celso