sexta-feira, 17 de maio de 2013

Sem direito a comer

 

"A produção de alimentos desde os anos 60 triplicou, de acordo com a organização GRAIN, enquanto a população mundial, desde então, apenas dobrou. Há uma quantidade enorme de comida, mais do que em qualquer outro período da história. Mas se você não tem dinheiro para pagar por ela ou o acesso a terra, água, sementes para produzi-la, não come. Não se trata de produzir mais alimentos, mas de repartir os já existentes". O comentário é de Esther Vivas,ativista política e dos movimentos sociais, em artigo publicado em seu blog, 08-04-2013.

Eis o artigo.

Nos dizem que querem acabar com a fome no mundo, se não for possível em 2015, será mais tarde. Agora, quando expiram os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), sem ter conseguido nada, se inventam novos conceitos como a Agenda para o Desenvolvimento pós-2015 e nos dizem para esperar e confiar, que deixemos tudo em suas mãos, que desta vez será definitiva. E a história, ou a mentira, se repete de novo.

Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, impulsionado pelas nações Unidas no ano 2000, terminou em letra morta, como acabará, eu garanto, a Agenda para o Desenvolvimento pós-2015 ou o que siga. Porque por fim à fome não depende de declarações de boas intenções, nem de acordos assinados, ou de lideranças fortes nos altos escalões ... depende única e exclusivamente de vontade política. E esta não existe.

A Consulta de Alto Nível das Nações Unidas sobre a Fome trata desses temas, Segurança Alimentar e Nutrição, realizada faz pouco [04/04/2013] em Madrid, como parte de uma série de diálogos internacionais promovidas pela ONU, e que reúne a partir de seu secretário-geral, Ban Ki-moon, o presidente Maria no Rajoy, a nata da ONU e representantes do mundo empresarial, acadêmico ... Seu objetivo: discutir sobre como enfrentar a fome a partir de 2015, data em que concluem os ODM’s. Mesmo que os governos que nos levaram à presente situação de falência tenham que liderar este processo, vamos mal.

Os autores dos cortes, que desencadearam os índices da fome aqui e internacionalmente, pouco, ou melhor, nada têm a contribuir. No Estado Espanhol, e de acordo com o Instituto Nacional de Estatística de 2010, se calcula que, pelo menos, um milhões e cem mil pessoas passam fome e não comem as calorias e proteínas mínimas necessárias. Uma cifra que, no atual contexto de crise econômica, social, greve e precariedade, seguramente é maior. E não só isso. O governo espanhol, anfitrião da consulta da ONU, é o mesmo que aniquilou a Assistência Oficial ao Desenvolvimento, reduzindo sua partida para um mínimo, colocando-o nos níveis de 1990 e em último lugar na UE. Esta é a solidariedade do governo com os países do Sul, zero.

A ONU diz que, para acabar com a fome, temos de confiar no crescimento. Declarou em seu relatório O Estado da Insegurança Alimentar no Mundo 2012: "Os pobres devem participar no processo de crescimento e seus benefícios. O crescimento deve ser alcançado com a participação dos pobres e se estender a estes ". E acrescenta: "O crescimento agrícola é particularmente eficaz na redução da fome e da desnutrição". Mas esse não é o problema. Não se trata de querer reiniciar o motor do crescimento econômico como uma fórmula mágica. O que nós precisamos é de justiça e de redistribuição. Especialmente nas políticas alimentares e agrícolas, onde toneladas de alimentos acabam no lixo diariamente, enquanto isso 870 milhões de pessoas no mundo sofrem de fome. Não mais riqueza concentrada nas mãos de poucos, mas mais democracia.

A produção de alimentos desde os anos 60 triplicou, de acordo com a organização GRAIN, enquanto a população mundial, desde então, apenas dobrou. Há uma quantidade enorme de comida, mais do que em qualquer outro período da história. Mas, se você não tem dinheiro para pagar por ela ou o acesso a terra, água, sementes para produzi-la, não come. Não se trata de produzir mais alimentos, mas de repartir os já existentes. É o modelo agroalimentar, a serviço de alguns poucos interesses privados, o que falha.

A fome, diz a mídia e as instituições internacionais, é o resultado de fenômenos metereológicos e de conflitos de guerra. Não apenas, nem principalmente, acrescento. As causas da fome são políticas e têm a ver com aqueles que controlam as políticas agrícolas e alimentares, aqueles que se beneficiam, e em cujas mãos estão os meios de produção de alimentos. Só isso pode explicar por que pa� �ses como o Haiti, que nos anos 70 produziu arroz suficiente para alimentar sua população, hoje seja um dos países mais afetados pela fome. Desde os anos 80 até o presente, as políticas de liberalização comercial, de invasão de seus mercados com produtos subsidiados de multinacionais do Norte vendidos abaixo do preço de custo, etc, destruíram seus sistemas agrícolas, anulando sua soberania alimentar, e converteu o país em dependentes da compra de alimentos a empresas estrangeiras. Não é o acaso o que conduziu o Haiti, como tantos outros países, à fome, mas a política.

No atual contexto de crise profunda do sistema, os bens comuns se convertem na nova fonte de negócio do capital. Intensifica-se a acumulação de terras, a privatização da água, a especulação com a comida. Em outras palavras, o que o geógrafo David Harvey chama de acumulação por espoliação. Ou como ficar rico às custas de privatizar o que é da maioria. E estes processos só aumentam as causas da fome, deixando muitos sem o direito a comer.

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