domingo, 27 de junho de 2010

O declínio do afeto




Amor


por John Zerzan

A vertigem da Tecno-modernidade é um invasiva sensação de insignificancia, o que também é certamente registrado no nivel do que é sentido diretamente, e não apenas pensado.

Já em 1984 Frederic Jameson se referiu a um "declinio do afeto" na sociedade pós-moderna, uma paralisia ou afastamento emocional. Existe uma dissolução ou nivelamento tomando caminho para dentro do terreno mais vital do ser humano.

Nosso estado afetivo é a exata textura e timbre de nossas vidas . Nada é mais imediato para nós do que nossos sentimentos. Isto é fundamental, nos da a "sensação" que temos do mundo, é o que atualmente nos conecta com a realidade.

Emoções são artefatos culturais, mais ainda do que idéias. Nesta direção Lucien Febvre (1938, 1941) convocou uma história das sensibilidades, e Anne Vincent-Buffault (1986) contribuiu com Histoire des Larmes (Historia das Lagrimas).

Estão nossas paixões no centro de nossa existência? Cada cultura possui seu próprio ambiente emocional, cada luta politica é uma luta afetiva. A luta contra o percurso da civilização certamente esta inclusa. As coisas são sentidas antes de serem pensadas ou acreditadas, portanto, a hegemonia - ou a sua eliminação - tem seu inicio no sentimento.

O primeiro livro de Adam Smith, The Theory of Moral Sentiments (1759), viu nas emoções a linha que tecia a união da fabrica social. nada disso é uma descoberta extraordinária, porém muitas vezes agimos como se o campo do afeto não fosse de relevância real.

A razão e a reflexão são relativamente expressões refinadas das próprias paixões.

Antonio Demasio fornece a noção de que a "consciencia começa como um sentimento, um tipo especial de sentimento para ser claro, um sentimento de saber" Sua sugestão reacende a divisão mente-corpo, tão essencial para a vida na sociedade de massas.Tantas divisões debilitantes: Humanos da natureza, trabalho do divertimento, a divisão entre as pessoas. Tambem somos afastados das sensações fisicas, da experiencia direta.

Sentimentos são personificados, mas o que acontece ao contexto desta personificação? O isolamento cresce a largos passos e os laços sociais permanecem frágeis. Amizades são transferidas para "amizades" de rede sociais de internet, e as casas onde moram apenas uma pessoa são uma porcentagem cada vez maior de todas as casas. Onde é o lar? O assunto está disperso e o social não existe mais, de acordo com Baudrillard.

Sentimos tudo isso, mesmo que a superficialidade da cultura dominante trabalhe para deformar e superficializar nossas emoções centrais a sua propria imagem. Este centro é seu próprio encorporamento, provavelmente o mais forte reduto da resistência. Por outro lado, numa amarga ironia, poderiamos nao estar em tamanha condição de não-saúde. poderiamos nao estar tao aflitivamente de alertas a destruição de corações deste vazio moderno. Poderiamos naão estar em tamanha ansiedade , em tamanha dor.

O livro The Affective Turn (2007) reflete pelo seu titulo a atual consciência da centralidade da emoção como cultura. Apresentado pelo comunista Michel Hardt, é, de qualquer forma, muito mais um exemplo do paradigma dominante do que uma correção util. O comprometimento esquerdista com o progresso industrial é uma parte importante do ataque violento contra a natureza intima. É um problema, não uma solução.

Personificamos uma continua historia de amor e sofrimento, levando o testemunho do que tem nos movimentado. O amor, como Kierkegaard enfatizou, é a base de todo o significado na vida , como a conhecemos. Temos amor e cuidados antes de aprendermos a formular qualquer coisa em linguagem. Como Martin Amis colocou (The Times, 11/6/06), "O amor vem a ser a unica parte de nos que é solida, enquanto o mundo vira de cabeça pra baixo e a tela se apaga."

Mas a falencia do advento do amor nas sociedades contemporâneas é tão obvio quanto é doloroso, como foi recontado variadamente nas novelas de Michael Houllebecq, por exemplo.
O anarco-novelista Tom Robbins tem enfatizado a questão de "como você faz o amor permanecer?" Devemos concordar com o Eclesiastico (6:16) de que "um amigo fiel é um remédio de vida" , mas onde estão os amigos? O acentuado declínio da amizade nos EUA nas decadas recentes está bem documentada (por exemplo, McPherson, Smith - Lovin and Brashears, American Sociological Review, Junho 2006).

E é precisamente aqui que a teoria radical falha, ou falha em apresentar. Por que é o "desejo" ( ou mais alienadamente ainda, a "sedução") que é o foco , e não o amor?

Como Bell Hooks descreveu, "quando converso sobre amor com minha geração, percebo que isto deixa todos assustados" Ainda que exista tal necessidade neste deserto do espirito: nossa cultura de desamor acumulado.

O oposto de amor não é a raiva, e sim , a indiferença, carimbo oficial do cinismo "descolado" posmoderno. Até aqui, tudo tem se ajoelhado diante da existência producionista na drenagem tecno-cultural. Entretanto, precisamos convocar a profundidade do relacionamento contra a superficialidade dominante, no qual tudo é tão inconstante e descartavel.

Uma caracteristica chave é o amor potencial irrealizado da atualidade afetiva, em nós mesmos e nos outros.

Existem obviamente potenciais "becos sem saidas" e ciladas no caminho. Por exemplo, a arrogancia sexista que muitas vezes acomoda o amor romântico numa cultura definidamente masculina-patriarcal. Ou a frequente e mundial negação do aspecto do amor religioso, e a tendência em retrair a autêntica individualidade em favor de uma identificação devoradora que nega e nâo aceita os outros.

Se emoção é um comportamento, o amor é certamente uma ação, assim como um processo mental basico.

O amor é uma chave para o crescimento e fortalecimento emocional que pode nos levar a uma grande comunhão com o mundo. O amor redime e da significado, enfatizando a graça e a dádiva. A dádiva como uma oposição a atualidade impiedosa.

Luce Irigaray expressa habilmente: " A dádiva não tem objetivos, propósitos - a dadiva é doar. Antes de qualquer divisão entre aquele que doa e o que recebe.

Antes de qualquer identidade que separa o doador do que recebe. Mesmo antes da propria dádiva."

Falar daquilo que pode ser doado pode nos lembrar o que nos tem sido tirado. Na década de 1950 Laurens van der Post encontrou um povo que podia carregar tudo o que tinham em uma mão. Ele se referiu a "maravilhosa risada dos Bushman, que sai do centro do ventre, um riso que não se ouve nunca entre civilizados."

Que proeza, a extinção do prazer de estar vivo na Terra. O objetivo psicanalitico de Freud foi transformar a miseria neurotica em infelicidade "normal"; E o objetivo de Lacan é que o analista aprenda a ser um infeliz como todo mundo.

É impressionante como é extremamente raro a menção de termos como sofrimento, angustia ou tristeza na literatura da psicologia. Tais questões são claremente de nenhum interesse teórico, meramente sintomas a serem classificados sob descrições "menos emocionais". Simone weil visitou fabricas para entender o sofrimento. As fabricas permanecem, a miséria está agora mais generalizada numa sociedade cada vez mais sintética e deslocada.

Elaine Scarry em seu livro O Corpo e a Dor (1985) viu a tortura como "uma miniaturização do mundo, da civilização." Um outro comentário sobre o estado da sociedade que contém a cada dia mais desastres, ou até mesmos atrocidades diárias. A Observação de Chellis Glendinning se aplica: traumas pessoais comumente refletem o trauma da propria civilização em si.

Nos Estados Unidos é um fato que as doenças mentais/emocionais são os principais problemas de saúde. E como Melinda Davis tem observado "A ansiedade é a peste negra de nossos dias".
Um ótimo exercício, como eu vejo, é colocar toda as políticas em termos de saúde, por exemplo, o que em nossa vida social é saudavel ou não-saudavel? Não é afinal de contas a linha central de tudo?

O cenario geral é bem conhecido. Ansiedade e estresse debilitam o sistema imunológico; 50 por cento das pessoas que possuem uma condição de ansiedade também sofrem de depressão profunda. O surto de ansiedade ocorre contra o cenário de um aumento da depressão entre todas os países industrializados.

De forma interessante, R.C. Solomon, encherga a depressão como "uma maneira de deslocar a si mesmo dos valores pré-estabelecidos de nosso mundo."

No começo de Maio de 2008, diversas notícias vieram a tona sobre a alta incidência de dores fisicas crônicas: ao menos 30 por cento da população americana esta angustiada. E assim, dando continuidade, do crescente número de incidentes com armas de fogo e índices de obesidade, agora crianças sofrem de diabetes e doenças do coração; crianças em mudança de comportamento devido a drogas infantis, o enorme crescimento de asma, autismo e alergias; Pais matando seus filhos; milhões "encantados" pelo viagra; dezenas de milhares de pessoas dependentes de remédios para dormir, etc. etc. O cenario total é cada vez mais
patológico e assustador.

Não é surpresa que encontremos toneladas de livros de auto -ajuda vendidos, uma intensa preocupação com o bem estar psicológico, e um infinito espetáculo do sofrimento emocional via televisão e internet. Observe a sequência das revistas americanas mais vendidas: Life, people, Us e Self. A redução da perspectiva em uma sociedade individualista é obvia.

O livro de Cristopher Lasc , Cultura do Narcisismo (1979) citou: " uma sensação de vazio interior, de raiva infinitamente reprimida". Escrevendo em 2008, Patricia Parson concluiu que atualmente vivemos "numa condição muito mais fria que o narcisismo" (Uma Breve história da Ansiedade).

Como sempre a acomodada sensibilidade do posmodernismo proclama o fim de um "self" central, em favor de uma multilpicidade de papéis alternados a serem encenados. Com os laços sociais atrofiados, existe algo central? Dispersados, assim como o contato humano, desaparece o contato com a natureza, sentimos medo de estarmos sozinhos com nós mesmos. Um modo de vida de distração reprime memórias de sofrimento e a espera de um afeto. O que é o Progresso, ou em outras palavras Modernidade? "É a enorme quantidade de resíduos químicos potencialmente letais em nossas células. É estar sentado em frente a uma tela de televisão ou de um computador num dia lindo. É fazer compras quando se esta deprimido. É o sentimento de que algo esta sendo perdido." (Kevin Tucker, O Que é Totalidade?") Provavelmente é uma surpresa que Descartes, progenitor da alienação moderna, identificou o maravilhamento ou admiração como a primeira das seis paixões humanas primitivas, no livro As Paixões da Alma (1649).

Onde está nossa capacidade de uma admiração genuína numa sociedade desencantadora?

Posso dizer a vocês que eu fico emocionado pelo canto perserverante dos grilos, suas fortes vozes de vida assim que o verão se encerra no Noroeste Pacifico. É sempre um prazer especial ouvir a migração dos gansos logo acima, seus gritos soam para mim como cães que latem suavemente logo acima. Não existe uma consciência que é separada de algo que se experimenta. O que acontece então quando tudo é experimentado de forma massiva, em produtos, imagens?

A diminuição do afeto , como Jameson colocou, é a diminuição de tudo aquilo que é vivo também. Podemos realmente viver uma vida sem sentido (tecnificada, sem encanto, e indireta)?O que é vivo e imadiato não existe numa tela.

Sabemos em qual direção a saude está. Freud escreveu para Wilhelm Fliess, " Felicidade é um anseio pré-historico adiado. Isto é o porque que a riqueza fornece tão pouca felicidade" (janeiro, 1898).

A simplicidade contém tudo e na simplicidade tudo é presente. Albert Camus acertou bem com esta nota: " Eu cresci com o mar e a pobreza para mim era luxuosa; então eu perdi o mar e percebi toda a luxuria cinza e a pobreza intolerável."

Tradução daninha

7 comentários:

Alex F Correa disse...

Parabéns, pela apresentação desse texto-resenha! Aproveito para sugerir - apesar de ter sido referido como parte do problema e não "uma solução" - uma resenha interessante, sobre esse tema do amor. http://quadradodosloucos.blogspot.com/2010/06/resenha-commonwealth-antonio-negri-e.html
Saudações!

jholland disse...

Obrigado pelos seus comentários e pela participação no Blog !
Vou dar uma checada.
Abs

Bruno Cava disse...

Bom texto, cheio de pérolas. Abraço.

Adriana Cajado Costa disse...

Bom texto! Crítico e reflexivo. Pensar essas questões são fundamentais. Freud sempre nos remeteu ao Mal-Estar. O problema é que há uma recusa constante dos pesquisadores em investigar tudo o que gira entorno do mal. Daí os psicólogos tomarem como patologia ao contrário de pensar em sua participação no pathos. Dicotomias à parte, pois são na verdade recursos defensivos, pensar a questão dos afetos é vital. Paixões que imprimem direção, força e persistência ao pensamento. Em Lacan temos que o amor é o que garante o funcionamento simbólico. Preservar o amor parece ser o mesmo que preservar a proliferação do simbólico. Parabéns!!!

jholland disse...

Obrigado a todos pelas palavras de incentivo e pelas colaborações !

O Blog é de vocês !

Abs

Ariadne disse...

Sugiro também este outro artigo. Ele continua um pouco esse diagnóstico do declínio do afeto, focando mais nas relações amorosas e o sexo.
http://tecendoconfissoes.blogspot.com/2010/07/declinio-do-afeto-ii.html

Unknown disse...

Ainda não tinha pensado nesse angulo da pós modernidade. Na multiplicidade de identidades ser a negação do sentimento ao anular o self central.

Essa perspectiva oferece algumas respostas interessantes.