"Há quem defenda que os body scanner são o instrumento mais seguro para prevenir o terrorismo. Não é a primeira vez que a ênfase tecnológica agita os políticos, distorcendo a realidade e sugerindo soluções que podem se revelar perigosas e ineficazes."
Publicamos aqui o artigo de Stefano Rodotà, jurista e político italiano, professor de direito na Universidade "La Sapienza" e ex-chefe do Conselho das Agências Europeias de Proteção de Informação, em artigo para o jornal La Repubblica, 06-01-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Segurança ou liberdade? Esse antigo dilema continua nos acompanhando e torna-se mais urgente quando terrorismo e criminalidade se tornam mais agressivos. E depois do 11 de setembro, o imperativo da segurança tornou-se dominante, até apagar quase toda outra referência. Esse espírito voltou nestes dias, nas reações nem sempre ordenadas que acompanharam o atentado fracassado a um avião em voo rumo aos Estados Unidos. Devemos nos resignar a uma contínua erosão dos direitos, a um lento declínio dos princípios da democracia?
Em tempos difíceis, também é necessário que a política mantenha a cabeça fria, não ceda às emoções, nem à tentação de crer que a resposta ao terrorismo deve, por força, levar a limitações das liberdades. Um pequeno exercício de memória pode nos ajudar.
No dia seguinte ao sanguinário atentado à estação de Atocha, o rei Juan Carlos destacou a necessidade de manter firmes os princípios do Estado de direito. E a Rainha Elizabeth, depois do atentado ao metrô de Londres, disse que os terroristas "não mudarão o nosso modo de viver". Essa fidelidade democrática retorna nas palavras da ministra do Interior norte-americana, Janet Napolitano: "Temos um inimigo determinado, mas não podemos selar os Estados Unidos. Este não é o nosso país. Estes não são os nossos valores". É assim marcado um limite que, na democracia, não pode ser ultrapassado, sob pena da própria perda de democraticidade do sistema que se quer proteger.
Hoje, a atenção está toda concentrada sobre os body scanners, sobre esses instrumentos penetrantes de controle que, nascidos ao serviço da medicina, permitem "ler" o corpo das pessoas, revelando cada detalhe seu, portanto também qualquer objeto que se encontre sobre elas. Uma nova varinha mágica? Pareceria que sim, julgando-se pelo menos as declarações de quem defendeu que os body scanners são o instrumento mais seguro para prevenir o terrorismo. Não é a primeira vez que a ênfase tecnológica agita os políticos, distorcendo a realidade e sugerindo soluções que podem se revelar perigosas e ineficazes.
A distorção se tornou evidente com o fato de que a discussão se polarizou quase exclusivamente sobre o instrumento técnico, colocando em segundo plano o aspecto mais preocupante do episódio: a falência dos controles norte-americanos mais do que a ineficiência do aeroporto de Amsterdã. As autoridades norte-americanas estavam em posse das informações referentes ao terrorista, sabiam que ele embarcaria naquele voo e não foram capazes de cruzar esses dados que permitiriam impedir a partida dessa pessoa. Uma responsabilidade primária da inteligência, não da tecnologia. Um fracasso administrativo, antes que técnico.
Destaco esse ponto porque a transferência para a tecnologia está se tornando um perigoso desvio, ao qual a política se abandona para evitar questões difíceis. Nestes dias, considerando, dentre outras coisas, também o enorme custo de uma instalação generalizada de body scanners, o acento está sendo colocado justamente sobre a necessidade primária de potencializar os aparatos de inteligência. Também por uma razão banal. Admitindo-se que os instrumentos tecnológicos consigam tornar os voos seguros, nem por isso os terroristas abandonarão os seus projetos.
Os casos da Espanha e da Grã-Bretanha, lembrados antes, colocam em evidência como o terrorismo recorre a modalidades diversas, adapta-se à mudança das situações. A luta contra o terrorismo, portanto, requer, antes de tudo, políticas adequadas, fundadas sobretudo no conhecimento e na prevenção. E da prevenção também faz parte o conjunto das políticas com relação aos países dos quais se pensa que os terroristas podem partir. Parece sim errada a medida apressada tomada pelo governo norte-americano, que indicou 14 países cujos cidadãos serão submetidos a controles particulares. Foram imediatas as reações, que destacaram o risco de transformar em "suspeitos" todos os cidadãos desses países, alimentando justamente a reação antiamericana.
Nesse quadro, a questão dos body scanners deve ser analisada a partir de três pontos de vista: eficiência, sustentabilidade, respeito à privacidade (que já é uma palavra inadequada, já que em casos como esse são a dignidade e a liberdade das pessoas que estão em risco). Sabemos que esses instrumentos não são capazes de localizar objetos escondidos nas "cavidades" do corpo, e já se prevê sim que os terroristas possam usar as técnicas já experimentadas pelos traficantes de drogas. O investimento econômico é muito oneroso, também por causa do número de body scanners que deveriam ser instalados para evitar que os tempos dos controles se tornem insustentáveis. E o que dizer do "striptease virtual" ao qual as pessoas seriam assujeitadas?
Exatamente esse risco está há meses no centro da atenção da Comissão Europeia, que consultou as autoridades europeias e a Agência dos Direitos Fundamentais, recebendo respostas muito críticas, que evidenciam a necessidade de uma série de garantias: uso desses instrumentos só no respeito dos princípios de necessidade e de proporcionalidade e com base a disposições específicas da lei; possibilidade de recusa a se submeter ao body scanner, aceitando controles manuais; adoção de tecnologias que reduzam a figura do passageiro, tornando invisíveis suas características sexuais e os eventuais defeitos físicos, localizando só eventuais objetos; separação entre o pessoal que vê fisicamente a pessoa e quem efetua o controle; apagamento das imagens recolhidas.
Oportunamente, o Enac, a entidade que regula tecnicamente os voos, avisou que pedirá a Bruxelas indicações sobre as características dos novos instrumentos. Mas não estamos diante de uma simples questão técnica: da União Europeia, deveriam vir principalmente indicações relativas à compatibilidade dessas medidas com a Carta dos Direitos Fundamentais, que começa afirmando justamente a inviolabilidade da dignidade da pessoa.
Não é uma advertência retórica. Não é aceitável a lenta erosão de liberdades e de direitos, a imunização da sociedade diante de medidas não liberais. Analisando no jornal The Guardian a falência dos controles norte-americanos, Gary Young destacou oportunamente que a estratégia de Bush contra o terrorismo teve como efeito não uma maior proteção dos cidadãos, mas o incremento do medo, explorado para aumentar controles sociais e a militarização, para ganhar consenso. É um diagnóstico que pode valer para todos.
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