Martin Wolf
O encontro de cúpula sobre a mudança climática em Copenhague terá resultados aquém dos esperados. Isso importa? Sim e não: sim, porque o argumento em prol de uma ação é forte demais; não, porque o acordo provável seria inadequado. Tratar da mudança climática será difícil. É crucial atingirmos a meta de forma eficaz. Os prováveis novos adiamentos deveriam ser usados para conseguir exatamente isso.
Meu entendimento de que uma ação decisiva é justificada é contencioso. Os céticos oferecem dois contra-argumentos: primeiro, de que a ciência por trás da mudança climática é altamente incerta; segundo, o de que os custos excedem os benefícios.
Sim, não basta argumentar que a ciência é incerta. Dados os riscos, nós temos que nos certificar de que a ciência está errada antes de seguirmos os céticos. Quando soubermos que não está, provavelmente será tarde demais para agir de forma eficaz. Nós não temos como repetir a e xperiência tendo apenas um planeta.
Felizmente, a evidência sugere que os custos da ação não devem ser proibitivos. O mais recente Relatório de Desenvolvimento Mundial do Banco Mundial argumenta que os custos de restrições mais rígidas contra emissões seriam modestos. No lado do benefício, eu destacaria a importância de evitar o risco de uma catástrofe climática. Nós não temos o direito de correr esses riscos.
Todavia, os céticos prestam um serviço valioso. Eles nos estimulam a continuarmos monitorando os desdobramentos de fato do clima. Eles também nos dizem que a ação tem um custo e alguns custos - deixando bilhões de pessoas na miséria - seriam intoleráveis. Felizmente, como nota o Banco Mundial, os pobres emitem pouco. A redução das emissões obtida com a troca da frota norte-americana de veículos utilitários esportivos por carros com padrões de economia de combustível da União Europeia compensaria as emissões do fo rnecimento de eletricidade para 1,6 bilhão de pessoas atualmente sem acesso a ela.
Apesar da ação ser justificada e provavelmente não proibitivamente cara, será um desafio enorme. Como aponta a Agência Internacional de Energia (AIE) em seu Panorama Energético Mundial, nós precisamos "descarbonizar" o crescimento para limitar as concentrações na atmosfera do "equivalente em CO2" a 450 partes por milhão, o nível considerado consistente com o aumento médio da temperatura global de cerca de 2ºC. Nós precisaríamos fazer de tudo - reduzir a demanda, expandir os renováveis, investir em energia nuclear, desenvolver a captura e armazenamento de carbono, trocar o carvão pelo gás e proteger as florestas - para conseguir isso.
E como estamos nos saindo? Em uma palavra, pessimamente. Apesar de toda a conversa, não apenas o volume mas também o fluxo das emissões está crescendo. A recessão ajudou. Mas nós não podemos - e, evidentemente, nã o devemos - depender do "armageddon" econômico. Como nota a AIE, as emissões de CO2 baseadas em energia aumentaram de 20,9 gigatoneladas (Gt) em 1990 para 28,8 Gt em 2007. A AIE prevê as emissões de CO2, em seu "cenário de referência", em 34,5 Gt em 2020 e 40,2 Gt em 2030 - uma taxa média de crescimento de 1,5% ao ano durante o período.
Crucialmente, os países em desenvolvimento e emergentes são responsáveis por "todo o crescimento projetado em emissões relacionadas a energia até 2030", com 55% do aumento vindo da China e 18% vindo da Índia.
O argumento em prol da mudança dessa tendência o mais cedo possível é que os custos para coibir grandes aumentos na temperatura seriam extremamente altos ou, no pior caso, proibitivos. A AIE argumenta que se a meta é limitar as concentrações dos gases do efeito estufa em 450 partes por milhão, cada ano de atraso na ação visando a trajetória necessária acrescenta US$ 500 bilhões adicionai s ao custo global estimado de US$ 10,5 trilhões. Esses custos resultam da vida extremamente longa dos ativos de capital usados na geração de energia e a vida ainda mais longa do CO2 na atmosfera.
O cenário alternativo é bem diferente: em vez de 40,2 Gt de emissões relacionadas a energia em 2030, nós teríamos apenas 26,4 Gt. A diferença é imensa. Um relatório da Fundação Climática Europeia mostra que os compromissos assumidos antes de Copenhague não a fechariam.* Mesmo na posição mais otimista, as atuais ofertas ficariam aquém em cerca de um terço das reduções necessárias até 2020 para se chegar a um teto de 450 partes por milhão de equivalente a CO2.
Copenhague seria então apenas um começo. Provavelmente não será nem isso, já que o governo norte-americano é incapaz de fechar compromissos vinculantes e os países em desenvolvimento não estão dispostos a fazê-lo. Mas Copenhague parece o fim do começo. Existe algo próxi mo de um acordo de que o mundo precisa agir. Há, igualmente, um acordo de que, apesar da retórica, pouca coisa útil foi conseguida até agora. O tempo para ação é agora - se não em Copenhague, então logo depois.
Infelizmente, isso não significa que o tipo certo de acordo surgirá. As políticas empregadas devem ser as mais eficientes possíveis. O que isso significa? Eu enfatizaria três critérios.
Primeiro, nós precisamos de preços para o carbono que se apliquem ao longo dos horizontes de planejamento relevantes. O preço não pode permanecer fixo para sempre, mas deve mudar com os eventos. Mas ele precisa ser bem mais estável do que no mercado de permissões da União Europeia. Por esse motivo, um imposto me parece bem mais atraente do que o sistema de comércio de licenças de emissão.
Segundo, onde a redução ocorrer, é preciso separá-la de quem paga por ela. A redução precisa acontecer onde é mais eficiente. É por isso que as emissões dos países em desenvolvimento devem ser incluídas. Mas o custo deve recair sobre os ricos. Isso porque eles podem arcar com isso e porque produziram grande parte das emissões do passado.
Finalmente, precisamos desenvolver e aplicar inovações em todas as tecnologias relevantes. Um estudo do centro de estudos Bruegel argumenta de forma persuasiva que a simples elevação dos preços das emissões de carbono reforçaria a posição das tecnologias estabelecidas. Nós precisamos de subsídios em grande escala para a inovação.**
Enfrentar o risco da mudança climática é o desafio coletivo mais complexo que a humanidade já enfrentou. O sucesso exige uma ação cara e orquestrada entre muitos países para lidar com uma ameaça distante, em prol de pessoas que ainda não nasceram, com uma incerteza inevitável a respeito dos custos de não agir. Nós chegamos ao ponto onde existe um amplo consenso a respeito da natureza da ame aça e do tipo de política que precisamos adotar para lidarmos com ela. Nós poderemos não chegar a um acordo em Copenhague. Mas chegou o momento da decisão. Ou agimos logo - ou finalmente descobriremos se os céticos estão certos. Se fracassarmos em agir, como parece provável, eu espero que eles estejam certos. Mas eu duvido muito disso.
*"Um Levantamento", 17 de novembro de 2009, http://www.project-catalyst.info/
O encontro de cúpula sobre a mudança climática em Copenhague terá resultados aquém dos esperados. Isso importa? Sim e não: sim, porque o argumento em prol de uma ação é forte demais; não, porque o acordo provável seria inadequado. Tratar da mudança climática será difícil. É crucial atingirmos a meta de forma eficaz. Os prováveis novos adiamentos deveriam ser usados para conseguir exatamente isso.
Meu entendimento de que uma ação decisiva é justificada é contencioso. Os céticos oferecem dois contra-argumentos: primeiro, de que a ciência por trás da mudança climática é altamente incerta; segundo, o de que os custos excedem os benefícios.
Sim, não basta argumentar que a ciência é incerta. Dados os riscos, nós temos que nos certificar de que a ciência está errada antes de seguirmos os céticos. Quando soubermos que não está, provavelmente será tarde demais para agir de forma eficaz. Nós não temos como repetir a e xperiência tendo apenas um planeta.
Felizmente, a evidência sugere que os custos da ação não devem ser proibitivos. O mais recente Relatório de Desenvolvimento Mundial do Banco Mundial argumenta que os custos de restrições mais rígidas contra emissões seriam modestos. No lado do benefício, eu destacaria a importância de evitar o risco de uma catástrofe climática. Nós não temos o direito de correr esses riscos.
Todavia, os céticos prestam um serviço valioso. Eles nos estimulam a continuarmos monitorando os desdobramentos de fato do clima. Eles também nos dizem que a ação tem um custo e alguns custos - deixando bilhões de pessoas na miséria - seriam intoleráveis. Felizmente, como nota o Banco Mundial, os pobres emitem pouco. A redução das emissões obtida com a troca da frota norte-americana de veículos utilitários esportivos por carros com padrões de economia de combustível da União Europeia compensaria as emissões do fo rnecimento de eletricidade para 1,6 bilhão de pessoas atualmente sem acesso a ela.
Apesar da ação ser justificada e provavelmente não proibitivamente cara, será um desafio enorme. Como aponta a Agência Internacional de Energia (AIE) em seu Panorama Energético Mundial, nós precisamos "descarbonizar" o crescimento para limitar as concentrações na atmosfera do "equivalente em CO2" a 450 partes por milhão, o nível considerado consistente com o aumento médio da temperatura global de cerca de 2ºC. Nós precisaríamos fazer de tudo - reduzir a demanda, expandir os renováveis, investir em energia nuclear, desenvolver a captura e armazenamento de carbono, trocar o carvão pelo gás e proteger as florestas - para conseguir isso.
E como estamos nos saindo? Em uma palavra, pessimamente. Apesar de toda a conversa, não apenas o volume mas também o fluxo das emissões está crescendo. A recessão ajudou. Mas nós não podemos - e, evidentemente, nã o devemos - depender do "armageddon" econômico. Como nota a AIE, as emissões de CO2 baseadas em energia aumentaram de 20,9 gigatoneladas (Gt) em 1990 para 28,8 Gt em 2007. A AIE prevê as emissões de CO2, em seu "cenário de referência", em 34,5 Gt em 2020 e 40,2 Gt em 2030 - uma taxa média de crescimento de 1,5% ao ano durante o período.
Crucialmente, os países em desenvolvimento e emergentes são responsáveis por "todo o crescimento projetado em emissões relacionadas a energia até 2030", com 55% do aumento vindo da China e 18% vindo da Índia.
O argumento em prol da mudança dessa tendência o mais cedo possível é que os custos para coibir grandes aumentos na temperatura seriam extremamente altos ou, no pior caso, proibitivos. A AIE argumenta que se a meta é limitar as concentrações dos gases do efeito estufa em 450 partes por milhão, cada ano de atraso na ação visando a trajetória necessária acrescenta US$ 500 bilhões adicionai s ao custo global estimado de US$ 10,5 trilhões. Esses custos resultam da vida extremamente longa dos ativos de capital usados na geração de energia e a vida ainda mais longa do CO2 na atmosfera.
O cenário alternativo é bem diferente: em vez de 40,2 Gt de emissões relacionadas a energia em 2030, nós teríamos apenas 26,4 Gt. A diferença é imensa. Um relatório da Fundação Climática Europeia mostra que os compromissos assumidos antes de Copenhague não a fechariam.* Mesmo na posição mais otimista, as atuais ofertas ficariam aquém em cerca de um terço das reduções necessárias até 2020 para se chegar a um teto de 450 partes por milhão de equivalente a CO2.
Copenhague seria então apenas um começo. Provavelmente não será nem isso, já que o governo norte-americano é incapaz de fechar compromissos vinculantes e os países em desenvolvimento não estão dispostos a fazê-lo. Mas Copenhague parece o fim do começo. Existe algo próxi mo de um acordo de que o mundo precisa agir. Há, igualmente, um acordo de que, apesar da retórica, pouca coisa útil foi conseguida até agora. O tempo para ação é agora - se não em Copenhague, então logo depois.
Infelizmente, isso não significa que o tipo certo de acordo surgirá. As políticas empregadas devem ser as mais eficientes possíveis. O que isso significa? Eu enfatizaria três critérios.
Primeiro, nós precisamos de preços para o carbono que se apliquem ao longo dos horizontes de planejamento relevantes. O preço não pode permanecer fixo para sempre, mas deve mudar com os eventos. Mas ele precisa ser bem mais estável do que no mercado de permissões da União Europeia. Por esse motivo, um imposto me parece bem mais atraente do que o sistema de comércio de licenças de emissão.
Segundo, onde a redução ocorrer, é preciso separá-la de quem paga por ela. A redução precisa acontecer onde é mais eficiente. É por isso que as emissões dos países em desenvolvimento devem ser incluídas. Mas o custo deve recair sobre os ricos. Isso porque eles podem arcar com isso e porque produziram grande parte das emissões do passado.
Finalmente, precisamos desenvolver e aplicar inovações em todas as tecnologias relevantes. Um estudo do centro de estudos Bruegel argumenta de forma persuasiva que a simples elevação dos preços das emissões de carbono reforçaria a posição das tecnologias estabelecidas. Nós precisamos de subsídios em grande escala para a inovação.**
Enfrentar o risco da mudança climática é o desafio coletivo mais complexo que a humanidade já enfrentou. O sucesso exige uma ação cara e orquestrada entre muitos países para lidar com uma ameaça distante, em prol de pessoas que ainda não nasceram, com uma incerteza inevitável a respeito dos custos de não agir. Nós chegamos ao ponto onde existe um amplo consenso a respeito da natureza da ame aça e do tipo de política que precisamos adotar para lidarmos com ela. Nós poderemos não chegar a um acordo em Copenhague. Mas chegou o momento da decisão. Ou agimos logo - ou finalmente descobriremos se os céticos estão certos. Se fracassarmos em agir, como parece provável, eu espero que eles estejam certos. Mas eu duvido muito disso.
*"Um Levantamento", 17 de novembro de 2009, http://www.project-catalyst.info/
**"Nenhum crescimento verde sem inovação", http://www.bruegel.org/
Tradução: George El Khouri Andolfato
Fonte: http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/fintimes/2009/12/02/ult579u2956.jhtm
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