Transcrevo abaixo duas matérias sobre o aquecimento global. A primeira, exibe um otimismo sereno e seguro; a segunda, um pessimismo resignado.
Somos o juiz nessa encruzilhada.
'A economia energética é o recurso do futuro'
É melhor do que o Prozac e não tem efeitos colaterais. Falar com Amory Lovins pode levantar os ânimos até do mais deprimido dos ambientalistas. O fundador do Rocky Mountain Institute (RMI), a mais notável ONG norte-americana comprometida com a sustentabilidade, distila otimismo até nestes dias difíceis que precedem Copenhague.
Multipremiado, inserido pela enésima vez pela Time entre as personalidades mais influentes do mundo, Lovins é estimado universalmente e tem o mérito de ter entendido antes que outros a inevitabilidade de um "green new deal". Basta retomar o seu livro "Capitalismo Natural: Criando a próxima Revolução Industrial" (Ed. Cultrix, 2000) para entender quantas transformações previstas há quase dez anos estão se realizando agora.
A reportagem é de Valerio Gualerzi, publicada no jornal La Repubblica, 03-12-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
O senhor é um dos poucos a não parecer muito perturbado com um fracasso em Copenhague.
As escolhas políticas contam, e seria melhor se tivéssemos políticas inteligentes em vez de estúpidas. Mas, principalmente nos EUA, os negócios associados a uma sociedade civil consciente representam uma força mais dinâmica do que a política. Os governos, e ainda mais os esforços interna cionais complicados como o processo de Copenhague, são muito lentos e têm dificuldades para estar no mesmo ritmo da criatividade do setor privado e da sociedade civil.
E qual é esse ritmo?
O consumo de petróleo nos países industrializados está caindo desde o início de 2005 e continuará assim. A China prevê a eletrificação de 80% dos seus novos carros até 2020. Enquanto isso, muitos fabricantes estão finalmente começando a adotar técnicas de eficiência energética até mais simples e eficazes do que o motor elétrico, intervindo no peso e na carroceria. A outra revolução está acontecendo na produção elétrica a uma grande velocidade. Os EUA, por exemplo, instalaram mais parques eólicos em 2007 do que eletricidade de carbono nos cinco anos anteriores.
Não acredita que Obama é muito tímido com relação ao clima?
O presidente nomeou a equipe mais brilhante que o Departamento p ara a Energia jamais teve. Lidando com duas guerras, um sistema de saúde em colapso e uma grave recessão, ele está fazendo o que pode, ou seja, muito.
A outra indiciada é a China, um país que o senhor conhece bem.
A China, como os EUA, é uma parte importante tanto do problema como da solução, mas com relação a outra nações ocidentais está se movendo velozmente para ser a solução.
A Itália se volta para a energia nuclear: escolha certa?
Entre 2005 e 2008, os EUA tiveram a mais robusta política nuclear e a mais ampla disponibilidade de capitais de todos os tempos, mas tiveram que oferecer novos subsídios. Porém, nenhum dos 33 projetos propostos foi capaz de atrair um único centavo de "equity capitals", porque construir centrais nucleares não é simples. Em 2008, em nível mundial, apenas as energias renováveis "distribuídas" obtiveram 100 bilhões de novos investimentos privado s, atingindo uma capacidade de 40 bilhões de watts. A energia nuclear, zero.
O outro assunto sobre o qual o senhor insiste é a eficiência energética.
É o maior recurso, mais econômico e mais veloz a ser posto em prática, mas ao mesmo tempo é a menos entendida, a menos visível e a menos explorada. Nos EUA, poderemos economizar metade do gás e do petróleo a um quinto do preço.
Para promover a eficiência, o senhor cultiva bananas na sede do RMI, uma construção sem aquecimento a 2.200 metros de altura. Como foi a colheita?
Boa. Realizar esse edifício em 1983 nos fez economizar cerca de 1.100 dólares no custo de construção, porque os materiais isolantes e os outros equipamentos custaram menos do que um sistema de aquecimento para um edifício isolado.
''É um custo muito alto reduzir as emissões''
"Você quer saber o que eu espero de Copenhague? Nada". O francês Pascal Acot, historiador do clima e da ecologia científica, não se ilude sobre a vontade dos grandes do planeta de reduzir as emissões de CO2. Porque custa muito, diz. E porque cada um pensa só em si, preocupando-se apenas com seu próprio quintal.
"Além disso, nenhuma conferência internacional jamais produziu efeitos virtuosos. Bem pelo contrário. Não vejo por que as coisas deveriam ser diferentes na Dinamarca".
A reportagem é de Pietro Del Re, publicada no jornal La Repubblica, 03-12-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Professor Acot, mas o senhor não coloca novas esperanças na chamada "economia verde" da qual o presidente Obama tanto falou depois da sua eleição?
Não, porque, dando um gigantesco passo atrás, o próprio Obama elevou consideravelmente o nível de emissões de gás carbônico permitido. E, apesar disso, não acredito que os países ricos conseguirão respeitar os limites que serão fixados em Copenhague.
Por causa da crise econômica?
Certamente. E também porque a opinião pública está cansada de ouvir falar das consequências das mudanças climáticas. Quando há uma acumulação de medo, no fim as pessoas reagem do modo oposto ao esperado. Na França, por exemplo, os "céticos do clima", ou seja, aqueles que duvidam da vericidade dos alarmes lançados pelos climatologistas, são sempre mais numerosos.
Segundo o senhor, portanto, as catástrofes apocalípticas ligadas ao aquecimento não assustam mais ninguém.
Sim. Basta olhar no que ocorreu com o protocolo de Kyoto, que eu definiria como um fiasco absoluto, já que desde que foi assinado as emissões de gases nocivos aumentaram 25% na Europa e no resto do mundo.
E irá ocorrer a mesma coisa também depois do protocolo de Copenhague?
Temo que sim. Olhe o que ocorreu depois da conferência de Marrakech, em 2002: nada, salvo o fato de que a Rússia pôde emitir 33 milhões de toneladas de CO2 suplementares. A mesma coisa aconteceu no ano posterior em Nova Déli, quando era preciso decidir sobre como enfrentar as emissões de gases nos países menos desenvolvidos. Pois bem, o resultado foi o de adiar toda decisão para 2005. Idem para a conferência de Buenos Aires. Toda vez há apenas declarações de intenÍ ?ões. E não só: toda vez que nos damos conta de que não foi possível atingir os objetivos prefixados pela conferência anterior, levanta-se a barreira, o que é paradoxal.
Como devemos nos comportar para fazer com que, desta vez, a montanha não dê a luz a um rato?
O aquecimento do planeta está destinado a provocar desastres principalmente nos países submetidos a estresse hídrico, no Sahel, por exemplo, mas também em algumas regiões do Mediterrâneo. Dando por óbvio que não conseguiremos diminuir as emissões de gases, o que frearia a desordem climática, a primeira operação a ser feita é a de ajudar as nações em risco, que são muitas vezes extremamente pobres.
Portanto, esse é o verdadeiro desafio de Copenhague?
Sim, e já o perdemos. Porque ajudar esses países a enfrentar as devastações da seca ou das cheias custa muito.
Desculpe a insistência, mas por que os países ricos não deveriam diminuir as emissões de gases?
Mesmo que o conseguissem, nunca seria o suficiente para frear o processo climático em curso. Quanto às bioenergias, são bem-vindas. Mas no momento não bastam para suprir nem 5% das necessidades do planeta. E não nos esqueçamos que estamos em uma situação de crise, e que nesse contexto são sempre as soluções menos custosas que são escolhidas.
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