segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Quando o gargalo se estreita: manipulação, conflito, e radicalização no coração do Império



Sistema atual americano de saúde deixa 46 milhões de fora


Cerca de 46 milhões de pessoas nos EUA não têm plano de saúde. Como não existe um Sistema Único de Saúde (SUS) no país, significa que, se essas pessoas ficarem doentes, precisarão vender o carro ou hipotecar a casa para pagar as contas do hospital. Despesas médicas são o principal motivo de falências pessoais no país.

A reportagem é de Patrícia Campos Mello e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 23-08-2009.

Parte dos americanos com mais de 65 anos ou portadores de deficiências está coberta por um sistema chamado Medicare, no qual o governo paga os hospitais e médicos que atendem o beneficiário. E parte da população de baixa renda entra no Medicaid, outro sistema bancado pelo governo. Mas grande parte da população - esses 46 milhões - está em um buraco negro. Muitos estão em uma faixa intermediária - não são tão pobres para receber o Medicaid, nem tão idosos para o Medicare -, não têm plano de saúde no emprego e não conseguem pagar um privado..

Os segurados ou têm dinheiro para pagar um plano privado ou têm um emprego que oferece um plano de saúde. Nos EUA, as empresas podem despedir grávidas e até pessoas com câncer. Ter um plano de saúde tampouco garante que a pessoa não terá de pagar por seus tratamentos médicos.

A maioria dos planos estabelece um limite de gastos anual e, em seguida, uma franquia que o seguro só começa a reembolsar depois que o paciente paga sua contrapartida. Os planos também podem se recusar a fazer seguro para pacientes com histórico de doença crônica ou pré-existente.

Para completar, o sistema de saúde é uma bomba-relógio para as contas públicas. O Medicare, por exemplo, vai se tornar deficitário em oito anos.Os gastos com saúde crescem a uma taxa superior à inflação. Os EUA são o país que mais gasta com saúde - US$ 7 per capita, ou 16% do PIB -, mas está em 37º lugar em qualidade de atendimento, ao lado da Eslovênia, segundo o ranking da Organização Mundial de Saúde.

Para que os 46 milhões de cidadãos sem plano de saúde passem a ter um, o governo precisará gastar US$ 1 trilhão ao longo de dez anos. O dinheiro viria de uma gestão mais eficiente do Medicare e do Medicaid e de um aumento de impostos sobre quem ganha mais de US$ 250 mil por ano.

O presidente americano, Barack Obama, quer criar um mercado de trocas de planos de saúde, onde seguradoras privadas competiriam com a seguradora estatal ou cooperativas. Todos os americanos seriam obrigados a ter um plano de saúde e o governo subsidiaria aqueles que não pudessem pagar. A competição reduziria os preços. As seguradoras privadas estariam proibidas de fixar tetos para gastos e franquias, além de não poderem discriminar pacientes. Também haveria painéis para julgar a eficiência de tratamentos de saúde como forma de cortar custos.

Muitos acham, porém, que esses painéis resultarão em um racionamento de assistência médica, que um grupo de burocratas poderá negar os tratamentos mais caros aos segurados. Os idosos são especialmente resistentes às reformas, porque a maioria já está coberta pelo Medicare.

Além disso, as seguradoras e os defensores do livre mercado temem que a concorrência com o setor estatal ponha os preços tão baixos que levariam os planos privados à falência.







Reforma do sistema de saúde desperta o extremismo racial nos EUA


Na segunda-feira passada, dois homens foram vistos carregando armas semiautomáticas diante do local onde o presidente pronunciava seu mais recente discurso sobre a reforma da saúde. Questionado sobre o porquê das armas, um dos homens respondeu: "Porque eu posso fazer isso. No Arizona, ainda tenho algumas liberdades." Essas observações somam-se a uma série inquietante de gestos extremistas que exprimem repulsa pelo presidente. Como um manifestante em Maryland que segurava um cartaz com os dizeres: "Morte a Obama" e "Morte a Michelle e a suas duas filhas idiotas".

O artigo é de Michael Jeffries, professor de estudos americanos do Wellesley College, em Massachusetts, publicado pelo jornal inglês The Guardian e reproduzido pelo jornal O Estado de S. Paulo, 23-08-2009.

Obama terá muita dificuldade para se concentrar na política e, ao mesmo tempo, em repelir uma série de ataques da direita. Desde o começo, ele reconheceu que há necessidade de um debate legítimo sobre a melhor maneira de reformar o sistema de saúde, argumentando que seu plano pretende oferecer a máxima eficiência e estabilidade ao maior número possível de americanos. Ele menosprezou as farpas desonestas e incendiárias dos que querem pintá-lo como o diabólico conspirador do "painel da morte".

O presidente chegou a ressaltar o componente emocional das recentes flechadas e a destacar a propensão da imprensa a dar mais atenção a episódios de ira e radicalismo do que a episódios de diálogo educado. Embora se refira ao extremismo exagerado com o qual é recebido a toda hora, ele se recusa a analisar diretamente seu teor ou a especular sobre sua fonte.

Em um artigo publicado no jornal Observer, o comentarista político Michael Crowley argumenta que o extremismo manifestado nas multidões iradas e nos homens armados nas reuniões de Obama nas cidades visitadas representa a última fase da Revolução do Branco Irado na política americana.

Segundo Crowley, esse arquétipo político foi cunhado na década de 90, quando os brancos que elegeram Bill Clinton, em 1992, votaram no Partido Republicano nas eleições legislativas de 1994. Na era Obama, o irado homem branco apareceu como "Joe, o Encanador" na campanha presidencial, protestou contra a nomeação de Sonya Sotomayor para a Suprema Corte e acusou Obama de racismo por seus comentários sobre a prisão do professor Henry Louis Gates.

Crowley faz bem em ligar os pontos entre as manifestações anteriores de ira politizada e as de hoje. Mas é importante reconhecer que, atualmente, a intensidade da raiva que estamos testemunhando difere da de tempos passados em razão da raça de Obama.

Nos piores casos, sentimentos conscientes de medo e ameaça que empurram cidadãos descontentes para uma ira descarada são intensificados por sentimentos subjacentes de ameaça e repugnância pela ideia de que outra pessoa, que não um branco, passe a ser a personificação e o representante da nação.

Se for preciso encontrar um culpado, segundo o conceito do branco irado, Crowley argumenta que a melhor maneira de derrotar esses guerreiros da cultura será reerguendo a economia e destruindo a ira em suas raízes - nas estruturas econômicas, e não em patologias culturais.

O debate sobre a reforma do sistema de saúde é, literalmente, uma questão de vida ou morte, de dor e sofrimento e da proliferação de práticas imorais adotadas pelos planos de saúde. Assim como é importante falar de controle de qualidade e de eficiência, é fundamental definir a reforma da saúde como uma obrigação moral - como algo que devemos uns para com os outros, como americanos e pais das futuras gerações.




''Indústria promove campanha de medo''

As seguradoras estão usando táticas de medo para impedir a aprovação da reforma de saúde, repetindo um padrão já usado durante a tentativa de aprovação da reforma no governo de Bill Clinton (1993-2001). A afirmação é de Wendell Potter, ex-executivo e porta-voz da Cigna, uma das maiores seguradoras de saúde dos EUA. Ele depôs na Comissão de Comércio, Ciência e Transporte do Senado americano em junho e afirmou que, desde os anos 90, as seguradoras ganharam fôlego e poder para dominar o mercado. "O que temos é um sistema de saúde subordinado a Wall Street", disse.

A entrevista é de Janaína Lage e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 23-08-2009.

Eis a entrevista.

Por que o sr. abandonou a carreira nas seguradoras de saúde?

Percebi que as práticas adotadas estavam quebrando o sistema de saúde. As leis não protegem o consumidor o suficiente. Deixei meu emprego em maio de 2008, não queria mais ser um porta-voz da indústria. Decidi falar sobre o tema em junho deste ano.

O que são as táticas de medo das seguradoras?

A indústria financia "grupos independentes". Oferece dinheiro para que eles atuem e assustem as pessoas espalhando que o governo vai assumir o sistema de saúde, que a reforma significa socializar o serviço de saúde e a medicina. Isso já aconteceu.

Quando?

Em 2007, a indústria se mobilizou para desacreditar o filme "Sicko", de Michael Moore. Usou um grupo chamado Health Care America. A ideia era mostrar que os problemas apresentados não eram verdadeiros. Lançaram ainda a Health Benefits Coalition que, no início da década, tentava desviar a atenção de projetos de leis para direitos dos pacientes.

Qual é a diferença entre a ação agora e no governo Clinton?

A estratégia é a mesma: usar aliados em negócios, na mídia conservadora e no Congresso para espalhar desinformação. Uma das diferenças é que eles têm atuado de forma mais covarde. Em 1993, eles assumiam que financiavam parte da campanha de "Harry e Louise" [propaganda que ajudou a afundar a proposta de reforma de Clinton, em que um casal de classe média se desesperava com a burocracia do plano e encorajava o povo a ligar para os representantes no Congresso].

Quem tem interesse em vetar ou interferir na reforma?

Fabricantes de remédios, de equipamentos, membros da comunidade médica, seguradoras. Quem ganha dinheiro com o sistema atual.

Mas há propaganda a favor paga pelas farmacêuticas...

Porque de um lado eles pagam pelos anúncios para passar uma imagem de que apoiam a reforma. De outro, atuam por meio de lobistas e grupos "independentes" para influenciar a opinião pública.

Um comentário:

Anônimo disse...
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