Entrevista especial com Euclides Redin
IHU On-Line – Em sua opinião, por que a porcentagem de evasão escolar ainda é tão grande e crescente?
Euclides Redin – De fato, essa questão está em pauta. A pesquisa da Fundação Getulio Vargas mostra que, especialmente no Ensino Médio, há uma porcentagem grande de jovens que não vão para escola, ou vão e depois desistem. A pesquisa conclui que a maioria que desiste é por falta de interesse. Uma minoria dos desistentes diz que é por causa do trabalho. A meu ver, existe ainda que há uma questão mal colocada pela pesquisa. O jovem tem interesse em estudar, assim como toda criança e jovem sadio quer aprender, tanto que todos eles são curiosos e aprendem coisas que às vezes nem deveriam. O aprender faz parte do descobrimento do mundo e de si mesmo. Não é possível culpar o aluno dizendo que ele não quer aprender. O que está acontecendo é que a escola que oferecemos não é interessante. Nossa escola é disciplinadora, com conteúdos que não são significativos e não irão levar a grandes mudanças e melhorias na vida dos jovens. O desafio da sobrevivência é muito maior e vai além dos bancos escolares.
A proposta da escola, desse modo, não está respondendo à necessidade de progressão. Por exemplo, toda escola, sobretudo no Ensino Médio, está voltada para a universidade, e a preparação do jovem para o ensino superior. Tanto é que o Enem começa a fazer parte da seleção de vestibular. Então, de fato, os conteúdos são voltados para a universidade, não para a vida, assim como para os interesses imediatos e longos do jovem. No entanto, nas escolas técnicas, praticamente, a evasão é zero. Há filas de espera no Senai, Senac, escolas técnicas, formada por jovens que querem estudar nelas porque sabem que depois estão praticamente empregados. Então, essas escolas oferecem conteúdos que têm consequência na vida do jovem, mesmo que elas sejam pesadas, exigentes. Precisamos pensar, portanto, num novo tipo de escola. A causa não está no jovem, mas na escola que não oferece uma experiência significativa de dignidade humana, de existência, de cidadania e que melhora a sua perspectiva de vida. Além disso, nós, professores, não estamos muito voltados a entender a expectativa do jovem. Temos mais um compromisso com o conteúdo, com processos didático-pedagógicos, com a disciplina.
IHU On-Line – O mercado vem disputando o jovem com a escola. Que influência a escola pode ter para que o jovem também corresponda a essa expectativa do jovem?
Euclides Redin – A escola não prepara para o mercado, mas, sim, para o ensino geral. A escola deveria ser profissionalizante, mas, conforme a lei, ela só pode ser desse modo quando cursada paralelamente ou após o Ensino Médio. De fato, a escola não prepara para o mercado de trabalho, mas visa à obtenção dos estudos do ensino superior. No entanto, grande parte da população não tem em vista o ensino superior quando falta comida em casa, quando o pai está desempregado, ou quando o fundamental é garantir a sobrevivência. Grande parte da população jovem quer ir para o mundo do trabalho. Para isso, precisa de alguma competência básica. Muito do conhecimento proposto pela escola não tem aplicabilidades para o jovem poder lutar por emprego e integração no mundo do trabalho. O mercado precisa de gente preparada e a exigência é a experiência. O que o mercado quer é a competência para resultados, o que ainda não conseguimos.
IHU On-Line – Que perfil tem esse jovem que opta pelo mercado? E que tipo de adulto ele se forma?
Euclides Redin – Tenho, a partir da minha experiência, que o jovem brasileiro, nesse impasse que estamos em relação ao futuro, quer viver o tempo presente agora, já e imediatamente. Isso porque em relação ao futuro ele não tem grandes expectativas. Não sabemos que futuro estamos oferecendo a ele. Há um presenteísmo no perfil do jovem do mundo: ele precisa consumir e aproveitar o momento presente porque não sabe se irá viver o amanhã. Além disso, o futuro não se apresenta como promissor. Isso tem consequências no sentido de que homem futuro a sociedade está construindo. Este homem é um pouco desesperançado. Não sabemos o que esperar de nossos jovens daqui a meio ano, um ano. Aí estão todos os jovens, os que têm e os que não têm estudo. Nós, na universidade, vivemos esse drama no período de formatura. Recebe-se um diploma, mas o aluno sai, no dia seguinte, à procura de emprego, às vezes por meses e anos. Muitas vezes, o trabalho que consegue não é na área em que se especializou, porque o mundo mudou. Não temos, portanto, muitas expectativas sobre o futuro. Há uma desesperança globalizada, então a questão do homem do futuro é uma incógnita. Isso explica violências de vários tipos, comportamentos desesperados, assassinatos, mortes, consumismo, aproveitamento do momento presente.
IHU On-Line – Há uma cultura nova se formando a partir desse grande número de jovens abandonando as escolas?
Euclides Redin – Essa é a grande pergunta. A escola, para o jovem, é boa. O que ele não gosta é da sala de aula. Ele aprecia, na escola, a companhia dos educadores, o pátio etc. O que está acontecendo no mundo é esse presenteísmo, que é um desafio. O futuro não dá grandes esperanças. O desafio é criar uma cultura em que valha a pena investir em valores humanos, cívicos, cidadania, dignidade. Não podemos desistir da luta. Se o jovem não for à luta, ficará pior. É preciso, a partir daí, criar uma cultura da esperança. Quando cada instituição fizer a sua parte, dará força a essa ideia de uma cultura para um outro futuro.
IHU On-Line – O professor precisa rever seu papel na escola, diante dos alunos?
Euclides Redin – Nós, os professores, precisamos nos preparar melhor. Há muito professor bom, especial, interessado e que deseja fazer da escola uma experiência de dignidade, cidadania, construção de pensamento, de emoções. Mas há muitos professores que estão desestimulados. Nós sofremos de uma síndrome do desânimo, do descaso. Somos muito maltratados pelo sistema. É possível ver como os professores do Rio Grande do Sul têm sido tratados, nos últimos anos, pelas secretarias estaduais, pelos governos. E o sindicato dos professores do estado é um dos maiores da América Latina. É preciso investir nos professores, no acompanhamento, na renovação de sua formação continuada, para que possamos cumprir melhor a função de mestres, professores e companheiros dos alunos.
A outra coisa que precisa ser repensada é a função dos sistemas de educação. As leis e as políticas públicas da escola precisam ser repensadas. Nós vivemos de plano em plano, coordenados pela União (MEC, Capes etc.), promovendo reformas. Mas reformas sempre em função de alterar procedimentos. Para que serve a escola? Isso não está sendo questionado. O conceito de escola, hoje, é o mesmo do tempo do início da modernidade. Alteraram as metodologias as didáticas, as tecnologias, mas a escola é a mesma, um espaço em que as crianças e jovens recebem disciplinamento do corpo e da mente. Existem experiências de escolas que estão voltadas à construção conjunta de uma cultura de cidadania.
IHU On-Line – Esse posicionamento dos alunos, de desinteresse pelas aulas que leva ao abandono das escolas, explica, de alguma forma, a postura violenta de que tanto se fala nos últimos dias?
Euclides Redin – Nunca apareceram tantos casos de violência na escola, mas tenho a impressão de que essa violência sempre existiu. A imprensa gosta quando a notícia tem sangue e, quando as coisas se tornaram mais violentas, se insiste no assunto. A violência não nasceu na escola, e não é a escola que irá acabar com a violência nas ruas. Há uma nova visão de civilização para poder participar do mercado. Hoje, vivemos a relação social de incluídos e excluídos. Isto aparece de diversas maneiras, há muito tempo, fora da escola e agora adentrou este espaço. O que a escola pode fazer? Trabalhar uma experiência diferente de vida e, assim, fazer com que essa experiência possa escoar para as ruas, para as casas, para os pátios, porque, se vamos fazer uma pesquisa sobre as múltiplas violências que ocorrem dentro de casa, vamos nos assustar ainda mais.
IHU On-Line – Como o senhor vê o modelo proporcionado pelas escolas itinerantes do MST?
Euclides Redin – Ali há uma coisa significativa. De fato, a escola itinerante, que era reconhecida pelo estado, estava centrada em cima das crianças de famílias acampadas. O currículo era montado em função dessas crianças e estava dando certo! Quem estava sendo transferido para escolas tradicionais estava se dando muito bem. O controle do sistema sobre a escola itinerante não era tão efetivo e, assim, ele começou a fechá-la, pois não havia como fazer seu controle. A infraestrutura era feita debaixo de uma árvore, ou de uma lona preta, com professores acampados e com crianças passando por um momento complicado. A situação é precária, claro, mas essa escola tratava melhor a questão da vivência.
(Euclides Redin é graduado em Pedagogia, pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras Nossa Senhora da Imaculada Conceição, com especialização em Orientação Educacional, pela PUC-Rio. Nesta mesma universidade, realizou o mestrado em Educação. Também é doutor em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano, pela Universidade de São Paulo (USP). Por longos anos foi professor na Unisinos e pesquisador do PPG em Educação da mesma universidade. Autor de Paulo Freire: ética, utopia e educação (São Leopoldo: Vozes, 1999), atualmente é professor da Escola Superior de Teologia, em São Leopoldo, RS.)
IHU On-Line – Em sua opinião, por que a porcentagem de evasão escolar ainda é tão grande e crescente?
Euclides Redin – De fato, essa questão está em pauta. A pesquisa da Fundação Getulio Vargas mostra que, especialmente no Ensino Médio, há uma porcentagem grande de jovens que não vão para escola, ou vão e depois desistem. A pesquisa conclui que a maioria que desiste é por falta de interesse. Uma minoria dos desistentes diz que é por causa do trabalho. A meu ver, existe ainda que há uma questão mal colocada pela pesquisa. O jovem tem interesse em estudar, assim como toda criança e jovem sadio quer aprender, tanto que todos eles são curiosos e aprendem coisas que às vezes nem deveriam. O aprender faz parte do descobrimento do mundo e de si mesmo. Não é possível culpar o aluno dizendo que ele não quer aprender. O que está acontecendo é que a escola que oferecemos não é interessante. Nossa escola é disciplinadora, com conteúdos que não são significativos e não irão levar a grandes mudanças e melhorias na vida dos jovens. O desafio da sobrevivência é muito maior e vai além dos bancos escolares.
A proposta da escola, desse modo, não está respondendo à necessidade de progressão. Por exemplo, toda escola, sobretudo no Ensino Médio, está voltada para a universidade, e a preparação do jovem para o ensino superior. Tanto é que o Enem começa a fazer parte da seleção de vestibular. Então, de fato, os conteúdos são voltados para a universidade, não para a vida, assim como para os interesses imediatos e longos do jovem. No entanto, nas escolas técnicas, praticamente, a evasão é zero. Há filas de espera no Senai, Senac, escolas técnicas, formada por jovens que querem estudar nelas porque sabem que depois estão praticamente empregados. Então, essas escolas oferecem conteúdos que têm consequência na vida do jovem, mesmo que elas sejam pesadas, exigentes. Precisamos pensar, portanto, num novo tipo de escola. A causa não está no jovem, mas na escola que não oferece uma experiência significativa de dignidade humana, de existência, de cidadania e que melhora a sua perspectiva de vida. Além disso, nós, professores, não estamos muito voltados a entender a expectativa do jovem. Temos mais um compromisso com o conteúdo, com processos didático-pedagógicos, com a disciplina.
IHU On-Line – O mercado vem disputando o jovem com a escola. Que influência a escola pode ter para que o jovem também corresponda a essa expectativa do jovem?
Euclides Redin – A escola não prepara para o mercado, mas, sim, para o ensino geral. A escola deveria ser profissionalizante, mas, conforme a lei, ela só pode ser desse modo quando cursada paralelamente ou após o Ensino Médio. De fato, a escola não prepara para o mercado de trabalho, mas visa à obtenção dos estudos do ensino superior. No entanto, grande parte da população não tem em vista o ensino superior quando falta comida em casa, quando o pai está desempregado, ou quando o fundamental é garantir a sobrevivência. Grande parte da população jovem quer ir para o mundo do trabalho. Para isso, precisa de alguma competência básica. Muito do conhecimento proposto pela escola não tem aplicabilidades para o jovem poder lutar por emprego e integração no mundo do trabalho. O mercado precisa de gente preparada e a exigência é a experiência. O que o mercado quer é a competência para resultados, o que ainda não conseguimos.
IHU On-Line – Que perfil tem esse jovem que opta pelo mercado? E que tipo de adulto ele se forma?
Euclides Redin – Tenho, a partir da minha experiência, que o jovem brasileiro, nesse impasse que estamos em relação ao futuro, quer viver o tempo presente agora, já e imediatamente. Isso porque em relação ao futuro ele não tem grandes expectativas. Não sabemos que futuro estamos oferecendo a ele. Há um presenteísmo no perfil do jovem do mundo: ele precisa consumir e aproveitar o momento presente porque não sabe se irá viver o amanhã. Além disso, o futuro não se apresenta como promissor. Isso tem consequências no sentido de que homem futuro a sociedade está construindo. Este homem é um pouco desesperançado. Não sabemos o que esperar de nossos jovens daqui a meio ano, um ano. Aí estão todos os jovens, os que têm e os que não têm estudo. Nós, na universidade, vivemos esse drama no período de formatura. Recebe-se um diploma, mas o aluno sai, no dia seguinte, à procura de emprego, às vezes por meses e anos. Muitas vezes, o trabalho que consegue não é na área em que se especializou, porque o mundo mudou. Não temos, portanto, muitas expectativas sobre o futuro. Há uma desesperança globalizada, então a questão do homem do futuro é uma incógnita. Isso explica violências de vários tipos, comportamentos desesperados, assassinatos, mortes, consumismo, aproveitamento do momento presente.
IHU On-Line – Há uma cultura nova se formando a partir desse grande número de jovens abandonando as escolas?
Euclides Redin – Essa é a grande pergunta. A escola, para o jovem, é boa. O que ele não gosta é da sala de aula. Ele aprecia, na escola, a companhia dos educadores, o pátio etc. O que está acontecendo no mundo é esse presenteísmo, que é um desafio. O futuro não dá grandes esperanças. O desafio é criar uma cultura em que valha a pena investir em valores humanos, cívicos, cidadania, dignidade. Não podemos desistir da luta. Se o jovem não for à luta, ficará pior. É preciso, a partir daí, criar uma cultura da esperança. Quando cada instituição fizer a sua parte, dará força a essa ideia de uma cultura para um outro futuro.
IHU On-Line – O professor precisa rever seu papel na escola, diante dos alunos?
Euclides Redin – Nós, os professores, precisamos nos preparar melhor. Há muito professor bom, especial, interessado e que deseja fazer da escola uma experiência de dignidade, cidadania, construção de pensamento, de emoções. Mas há muitos professores que estão desestimulados. Nós sofremos de uma síndrome do desânimo, do descaso. Somos muito maltratados pelo sistema. É possível ver como os professores do Rio Grande do Sul têm sido tratados, nos últimos anos, pelas secretarias estaduais, pelos governos. E o sindicato dos professores do estado é um dos maiores da América Latina. É preciso investir nos professores, no acompanhamento, na renovação de sua formação continuada, para que possamos cumprir melhor a função de mestres, professores e companheiros dos alunos.
A outra coisa que precisa ser repensada é a função dos sistemas de educação. As leis e as políticas públicas da escola precisam ser repensadas. Nós vivemos de plano em plano, coordenados pela União (MEC, Capes etc.), promovendo reformas. Mas reformas sempre em função de alterar procedimentos. Para que serve a escola? Isso não está sendo questionado. O conceito de escola, hoje, é o mesmo do tempo do início da modernidade. Alteraram as metodologias as didáticas, as tecnologias, mas a escola é a mesma, um espaço em que as crianças e jovens recebem disciplinamento do corpo e da mente. Existem experiências de escolas que estão voltadas à construção conjunta de uma cultura de cidadania.
IHU On-Line – Esse posicionamento dos alunos, de desinteresse pelas aulas que leva ao abandono das escolas, explica, de alguma forma, a postura violenta de que tanto se fala nos últimos dias?
Euclides Redin – Nunca apareceram tantos casos de violência na escola, mas tenho a impressão de que essa violência sempre existiu. A imprensa gosta quando a notícia tem sangue e, quando as coisas se tornaram mais violentas, se insiste no assunto. A violência não nasceu na escola, e não é a escola que irá acabar com a violência nas ruas. Há uma nova visão de civilização para poder participar do mercado. Hoje, vivemos a relação social de incluídos e excluídos. Isto aparece de diversas maneiras, há muito tempo, fora da escola e agora adentrou este espaço. O que a escola pode fazer? Trabalhar uma experiência diferente de vida e, assim, fazer com que essa experiência possa escoar para as ruas, para as casas, para os pátios, porque, se vamos fazer uma pesquisa sobre as múltiplas violências que ocorrem dentro de casa, vamos nos assustar ainda mais.
IHU On-Line – Como o senhor vê o modelo proporcionado pelas escolas itinerantes do MST?
Euclides Redin – Ali há uma coisa significativa. De fato, a escola itinerante, que era reconhecida pelo estado, estava centrada em cima das crianças de famílias acampadas. O currículo era montado em função dessas crianças e estava dando certo! Quem estava sendo transferido para escolas tradicionais estava se dando muito bem. O controle do sistema sobre a escola itinerante não era tão efetivo e, assim, ele começou a fechá-la, pois não havia como fazer seu controle. A infraestrutura era feita debaixo de uma árvore, ou de uma lona preta, com professores acampados e com crianças passando por um momento complicado. A situação é precária, claro, mas essa escola tratava melhor a questão da vivência.
(Euclides Redin é graduado em Pedagogia, pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras Nossa Senhora da Imaculada Conceição, com especialização em Orientação Educacional, pela PUC-Rio. Nesta mesma universidade, realizou o mestrado em Educação. Também é doutor em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano, pela Universidade de São Paulo (USP). Por longos anos foi professor na Unisinos e pesquisador do PPG em Educação da mesma universidade. Autor de Paulo Freire: ética, utopia e educação (São Leopoldo: Vozes, 1999), atualmente é professor da Escola Superior de Teologia, em São Leopoldo, RS.)
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