A ascensão do resto do mundo: os desafios da Nova Ordem Mundial
Os Estados Unidos não são mais capazes de suportar a crise mundial. Mas quem assumiria o seu lugar? A Rússia, o Brasil, a China e a Índia estão em ascensão, mas eles estão competindo também com a Europa e os Estados Unidos por recursos naturais finitos
Por: Wolfgang Nowak
"Os norte-americanos... só são capazes de nadar em um único mar. Eles jamais desenvolveram a capacidade de ingressar no universo dos outros povos" - Fareed Zakaria.
Estamos vivendo uma era na qual não há uma única potência dominante. O globo está acossado por crises - mudança climática, escassez de recursos, crises de alimento e financeira, proliferação nuclear e Estados fracassados. Nenhum país é capaz de elaborar soluções para problemas desse tipo. Nem mesmo as Nações Unidas estão a altura dessa tarefa. De fato, conforme admitiu o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, na Conferência de Governança Progressista, em abril último, em Londres, as organizações internacionais criadas logo após a Segunda Guerra Mundial não atendem mais às necessidades atuais.
Faz apenas 17 anos que o jornalista norte-americano Charles Krauthammer falou a respeito do alvorecer de uma nova era na qual, nas décadas vindouras, os Estados Unidos funcionariam como o epicentro da ordem mundial. Apenas cinco anos se passaram desde que o então secretário de Estado, Colin Powell, disse a uma audiência em Davos que os Estados Unidos reservavam o direito de iniciar ações militares unilaterais.
Mas a Guerra do Iraque esfacelou o sonho de uma era de "imperialismo liberal", na qual os Estados Unidos disseminariam os seus valores ideais utilizando meios coercivos. A crise financeira dos últimos dois anos acelerou ainda mais o deslocamento de poder - dos Estados Unidos e Europa para a Índia, a China e a Rússia, bem como para os Estados árabes do Golfo Pérsico.
Vários livros recentemente publicados nos Estados Unidos descrevem essas mudanças no cenário político. O novo governo que chegar em Washington em 2009 deve cogitar a leitura atenta dos livros "The Post American World" ("O Mundo Pós-Americano"), de Fareed Zakaria, "The Second World" ("O Segundo Mundo"), de Parag Khanna, "The Great Experiment" ("A Grande Experiência"), de Strobe Talbott, "Rivals" ("Rivais"), de Bill Emmott e "The War for Wealth" ("A Guerra pela Riqueza"), de Gabor Steingart. Todos estes autores aceitam a premissa de um mundo multipolar, embora as suas análises e prescrições políticas sejam muito diversas. Bill Emmott, Fareed Zakaria e Gabor Steingart visualizam a continuação da liderança norte-americana ou transatlântica, enquanto Parag Khanna enxerga uma competição cada vez maior entre a Europa, a China e os Estados Unidos pelo apoio de Estados como a Rússia e a Índia, que ele descreve como pertencendo ao "segundo mundo". Porém, quaisquer que sejam as diferenças entre eles, cada um dos autores analisa com clareza as realidades atuais - ao contrário dos neoconservadores que foram os principais responsáveis pela condução da política externa norte-americana nos últimos oito anos.
O ex-presidente George Bush teria afirmado: "Não podemos cometer os erros errados". Um governante que queira evitar "os erros errados" encontrará o seu lugar na nova ordem multipolar.
Quais são as potências decisivas nesta nova ordem mundial? Os Estados Unidos, a Rússia, a Índia, a China, o Brasil e a União Européia estão sem dúvida entre elas. É interessante que estes países estejam se aproximando cada vez mais. A atual crise financeira demonstrou como as relações entre eles se aprofundaram. Outras similaridades são também reveladoras. Com a exceção dos europeus, cada um desses países contém aspectos do primeiro, do segundo e do terceiro mundo. Na megalópole Mumbai, por exemplo, a maior favela da Ásia fica ao lado de uma próspera área econômica. Uma pessoa que faça uma viagem pela Rússia encontrará tanto uma riqueza impressionante quanto uma pobreza absoluta. Até mesmo nos Estados Unidos, o país mais rico do mundo, parte da população luta para ter um padrão decente de vida.
Esses países não são nem inimigos nem amigos uns dos outros; eles são "frenemies", competidores na busca por escassos recursos mundiais. Eles asseguram aos seus povos que são capazes de modelar a próxima ordem global e de garantir o futuro bem-estar da população, mas as respectivas idéias de futuro podem variar bastante. Um potencial "choque de futuros" paira na linha do horizonte do mundo multipolar.
Nem todos os "frenemies" são democracias no sentido ocidental. Os sucessos de Cingapura e da China, bem como dos Estados do Golfo Pérsico, provam que os países não precisam ser democráticos para garantir um alto padrão de vida aos seus povos. Mas isto não precisa ser motivo para pessimismo. Nas novas potências mundiais não democráticas, elites produtivas estão substituindo as elites parasitas. Onde as elites produtivas adquirem a supremacia, elas criam um sistema mais livre e justo do que aquele que herdaram. O objetivo delas é desenvolver a economia e corrigir as desigualdades sociais. Elas sabem que onde houver favelas haverá "cidades fracassadas" e "Estados fracassados".
A Sociedade Alfred Herrhausen, o fórum internacional do Deutsche Bank, está organizando um novo projeto chamado Foresight (Previsão) para analisar e comparar as visões de futuro das potências mundiais existentes e emergentes. Por meio da discussão e do debate, espera-se que o projeto encontre os elementos para um futuro comum. O evento inaugural, ocorrido em Moscou, reuniu participantes do Brasil, da China, da Europa, do Japão, da Índia, da Rússia, dos Estados Unidos e de outras partes do mundo para a discussão do papel da Rússia em um mundo multipolar. Mais simpósios estão previstos nos Estados Unidos, após as eleições presidenciais, na Europa, no Japão, na Índia, na China e na América Latina. Esses eventos também incluirão participantes de alto nível da África, do mundo árabe e dos países asiáticos banhados pelo Oceano Pacífico.
Um dos principais objetivos desta série de eventos é ver o mundo segundo a visão dos outros, e não apenas através da ótica oriental e ocidental.
Novas alianças que jogam os países uns contra os outros não serão capazes de resolver os desafios do século 21. Novas formas de cooperação internacional, consulta e compromisso precisarão desempenhar um papel central em um mundo multipolar. É um absurdo que a Itália pertença ao G8, mas a China e o Brasil não. E que espécie de significado pode ter um conselho de segurança global quando a Índia, o Brasil e a União Européia são deixados de fora, enquanto a França e o Reino Unido são membros permanentes?
São necessárias novas formas de governança: em um mundo com cada vez menos recursos e no qual há uma mudança climática acelerada, os Estados podem sentir-se tentados a atender aos seus próprios interesses a fim de obter vantagens de curto prazo. O desafio será elaborar uma nova estrutura internacional e um equilíbrio organizado de interesses. Somente um futuro comum - "mudança através do bom relacionamento" e não "um choque de futuros" - poderá nos impulsionar para adiante.
Não há dúvida de que os últimos dez anos forneceram muitos motivos para pessimismo. Para que os próximos dez anos sejam um sucesso, nós precisaremos nos fortificar com um otimismo crível, ainda que cético.
Wolfgang Nowak é porta-voz da diretoria-executiva da Sociedade Alfred Herrhausen, o fórum internacional do Deutsche Bank.
Os Estados Unidos não são mais capazes de suportar a crise mundial. Mas quem assumiria o seu lugar? A Rússia, o Brasil, a China e a Índia estão em ascensão, mas eles estão competindo também com a Europa e os Estados Unidos por recursos naturais finitos
Por: Wolfgang Nowak
"Os norte-americanos... só são capazes de nadar em um único mar. Eles jamais desenvolveram a capacidade de ingressar no universo dos outros povos" - Fareed Zakaria.
Estamos vivendo uma era na qual não há uma única potência dominante. O globo está acossado por crises - mudança climática, escassez de recursos, crises de alimento e financeira, proliferação nuclear e Estados fracassados. Nenhum país é capaz de elaborar soluções para problemas desse tipo. Nem mesmo as Nações Unidas estão a altura dessa tarefa. De fato, conforme admitiu o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, na Conferência de Governança Progressista, em abril último, em Londres, as organizações internacionais criadas logo após a Segunda Guerra Mundial não atendem mais às necessidades atuais.
Faz apenas 17 anos que o jornalista norte-americano Charles Krauthammer falou a respeito do alvorecer de uma nova era na qual, nas décadas vindouras, os Estados Unidos funcionariam como o epicentro da ordem mundial. Apenas cinco anos se passaram desde que o então secretário de Estado, Colin Powell, disse a uma audiência em Davos que os Estados Unidos reservavam o direito de iniciar ações militares unilaterais.
Mas a Guerra do Iraque esfacelou o sonho de uma era de "imperialismo liberal", na qual os Estados Unidos disseminariam os seus valores ideais utilizando meios coercivos. A crise financeira dos últimos dois anos acelerou ainda mais o deslocamento de poder - dos Estados Unidos e Europa para a Índia, a China e a Rússia, bem como para os Estados árabes do Golfo Pérsico.
Vários livros recentemente publicados nos Estados Unidos descrevem essas mudanças no cenário político. O novo governo que chegar em Washington em 2009 deve cogitar a leitura atenta dos livros "The Post American World" ("O Mundo Pós-Americano"), de Fareed Zakaria, "The Second World" ("O Segundo Mundo"), de Parag Khanna, "The Great Experiment" ("A Grande Experiência"), de Strobe Talbott, "Rivals" ("Rivais"), de Bill Emmott e "The War for Wealth" ("A Guerra pela Riqueza"), de Gabor Steingart. Todos estes autores aceitam a premissa de um mundo multipolar, embora as suas análises e prescrições políticas sejam muito diversas. Bill Emmott, Fareed Zakaria e Gabor Steingart visualizam a continuação da liderança norte-americana ou transatlântica, enquanto Parag Khanna enxerga uma competição cada vez maior entre a Europa, a China e os Estados Unidos pelo apoio de Estados como a Rússia e a Índia, que ele descreve como pertencendo ao "segundo mundo". Porém, quaisquer que sejam as diferenças entre eles, cada um dos autores analisa com clareza as realidades atuais - ao contrário dos neoconservadores que foram os principais responsáveis pela condução da política externa norte-americana nos últimos oito anos.
O ex-presidente George Bush teria afirmado: "Não podemos cometer os erros errados". Um governante que queira evitar "os erros errados" encontrará o seu lugar na nova ordem multipolar.
Quais são as potências decisivas nesta nova ordem mundial? Os Estados Unidos, a Rússia, a Índia, a China, o Brasil e a União Européia estão sem dúvida entre elas. É interessante que estes países estejam se aproximando cada vez mais. A atual crise financeira demonstrou como as relações entre eles se aprofundaram. Outras similaridades são também reveladoras. Com a exceção dos europeus, cada um desses países contém aspectos do primeiro, do segundo e do terceiro mundo. Na megalópole Mumbai, por exemplo, a maior favela da Ásia fica ao lado de uma próspera área econômica. Uma pessoa que faça uma viagem pela Rússia encontrará tanto uma riqueza impressionante quanto uma pobreza absoluta. Até mesmo nos Estados Unidos, o país mais rico do mundo, parte da população luta para ter um padrão decente de vida.
Esses países não são nem inimigos nem amigos uns dos outros; eles são "frenemies", competidores na busca por escassos recursos mundiais. Eles asseguram aos seus povos que são capazes de modelar a próxima ordem global e de garantir o futuro bem-estar da população, mas as respectivas idéias de futuro podem variar bastante. Um potencial "choque de futuros" paira na linha do horizonte do mundo multipolar.
Nem todos os "frenemies" são democracias no sentido ocidental. Os sucessos de Cingapura e da China, bem como dos Estados do Golfo Pérsico, provam que os países não precisam ser democráticos para garantir um alto padrão de vida aos seus povos. Mas isto não precisa ser motivo para pessimismo. Nas novas potências mundiais não democráticas, elites produtivas estão substituindo as elites parasitas. Onde as elites produtivas adquirem a supremacia, elas criam um sistema mais livre e justo do que aquele que herdaram. O objetivo delas é desenvolver a economia e corrigir as desigualdades sociais. Elas sabem que onde houver favelas haverá "cidades fracassadas" e "Estados fracassados".
A Sociedade Alfred Herrhausen, o fórum internacional do Deutsche Bank, está organizando um novo projeto chamado Foresight (Previsão) para analisar e comparar as visões de futuro das potências mundiais existentes e emergentes. Por meio da discussão e do debate, espera-se que o projeto encontre os elementos para um futuro comum. O evento inaugural, ocorrido em Moscou, reuniu participantes do Brasil, da China, da Europa, do Japão, da Índia, da Rússia, dos Estados Unidos e de outras partes do mundo para a discussão do papel da Rússia em um mundo multipolar. Mais simpósios estão previstos nos Estados Unidos, após as eleições presidenciais, na Europa, no Japão, na Índia, na China e na América Latina. Esses eventos também incluirão participantes de alto nível da África, do mundo árabe e dos países asiáticos banhados pelo Oceano Pacífico.
Um dos principais objetivos desta série de eventos é ver o mundo segundo a visão dos outros, e não apenas através da ótica oriental e ocidental.
Novas alianças que jogam os países uns contra os outros não serão capazes de resolver os desafios do século 21. Novas formas de cooperação internacional, consulta e compromisso precisarão desempenhar um papel central em um mundo multipolar. É um absurdo que a Itália pertença ao G8, mas a China e o Brasil não. E que espécie de significado pode ter um conselho de segurança global quando a Índia, o Brasil e a União Européia são deixados de fora, enquanto a França e o Reino Unido são membros permanentes?
São necessárias novas formas de governança: em um mundo com cada vez menos recursos e no qual há uma mudança climática acelerada, os Estados podem sentir-se tentados a atender aos seus próprios interesses a fim de obter vantagens de curto prazo. O desafio será elaborar uma nova estrutura internacional e um equilíbrio organizado de interesses. Somente um futuro comum - "mudança através do bom relacionamento" e não "um choque de futuros" - poderá nos impulsionar para adiante.
Não há dúvida de que os últimos dez anos forneceram muitos motivos para pessimismo. Para que os próximos dez anos sejam um sucesso, nós precisaremos nos fortificar com um otimismo crível, ainda que cético.
Wolfgang Nowak é porta-voz da diretoria-executiva da Sociedade Alfred Herrhausen, o fórum internacional do Deutsche Bank.
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