Joseph Stiglitz
Brasil corre risco de sofrer com a crise, diz Nobel de economia Para Joseph Stiglitz, ninguém está imune e País precisa se preparar para enfrentar cenário de créditos escassos.
Jamil Chade, de O Estado de S. Paulo
GENEBRA - O Brasil não está imune à crise e corre o risco de sofrer uma bolha na agricultura diante da crise internacional. O alerta é do prêmio Nobel de economia, Joseph Stiglitz, que em entrevista ao Estado alerta que o Brasil precisa se preparar para enfrentar um cenário em que os créditos estarão escassos por vários meses ainda. O economista americano ainda aponta que a crise marca o fim de uma era, alerta que a Europa pode ter problemas tão severos quanto a dos Estados Unidos, pede um plano europeu para salvar a economia e alerta que o pior pode ainda estar por vir.
O prestigiado economista que entrou em choque com o Tesouro americano no início da década quando era economista chefe do Banco Mundial ainda aponta que a queda das bolsas desta segunda-feira, 6, foi "um voto de não confiança" no pacote elaborado pela Casa Branca. "Nunca mais nenhum país em desenvolvimento vai dar qualquer credibilidade às recomendações dos Estados UNidos", afirmou.
Ele também aponta que o próximo presidente americano irá herdar "um verdadeiro caos, no Iraque, na economia global e no mercado americano". "A desaceleração da economia está apenas começando", disse.
Após a entrevista, Stiglitz falou para uma platéia de 1,5 mil pessoas em um teatro de Genebra e destacou que Wall Street não fez sua parte em gerenciar risco e o lobby vindo do setor financeiro até recusou novas leis. "Os bancos acreditaram em alquimia financeira, agências de Avaliação de risco eram pagas por bancos", alertou. "Não precisa ser um ganhador do Prêmio Nobel para saber que havia algo de errado, principalmente no setor imobiliário", disse.
Mas ainda destacou que um problema fundamental foi a situação da economia americana e o fato de o Federal Reserve (banco central dos Estados Unidos) ter adotado uma postura que acabou contribuindo para a crise. "Os Estados Unidos não aprenderam com os erros da América Latina nos anos 70 e 80. "Nos anos 70, quando o mundo entrou em crise por causa do preço do petróleo, só uma região conseguiu crescer. Era a América Latina, que continuou tomando empréstimos. Nos anos 80, pagou o preço e levou mais de uma década para se recuperar. Os Estados Unidos fizeram a mesma coisa e continuou tomando empréstimos", disse.
Ele conclui ainda que o mundo tem conhecimento suficiente e já viveu experiências nos anos 90 para saber evitar que a crise atual se transforme em uma recessão profunda. "Mas precisamos usar esse conhecimento", concluiu.
Eis os principais trechos da entrevistas:
Estado - Qual será o impacto dessa crise nos países emergentes?
Stiglitz - Todos sofrerão. Mas a ironia é que há uma década estávamos vivendo a crise na Ásia e
o governo americano acusava os líderes de falta de transparência. Hoje, a falta de transparência nos Estados Unidos é tão grande que ninguém sabe o tamanho do problema, nem nos Estados Unidos nem na Europa. A conseqüência direta da crise é de que ninguém mais no mundo seguirá fórmulas propostas pelos Estados Unidos nem um receituário. Outro impacto que os emergentes vão sentir é um aumento de seus spreads, já que o mercado estará se protegendo de todo o tipo de risco. O resultado é uma queda importante de créditos.
Estado - Para o Brasil, diretamente, qual seria a conseqüência?
Stiglitz - O Brasil hoje está bem melhor preparado que há alguns anos e não sofre uma crise imobiliária. Mas quem pode sofrer são os investidores na agricultura. Podemos ter uma bolha na
agricultura brasileira. Isso porque muitos investidores estrangeiros colocaram seu dinheiro nas commodities nos últimos meses, fugindo do dólar. Isso, como conseqüência, gerou uma alta nos preços dos alimentos, mas também pressionou para cima o preço da terra brasileira. Com a crise, o primeiro impacto é o fim dos créditos e dos investimentos e as dívidas contraídas no Brasil podem ser um problema no campo. Além disso, tudo indica que os preços das commodities vão cair. A bolha no Brasil pode estar no campo. Ninguém está imune à crise. O Brasil, por melhor preparado que esteja, também não está imune.
Estado - O pacote americano é uma solução?
Stiglitz - De forma nenhuma. É como fazer uma transfusão de sangue a um paciente com hemorragia interna. O pacote não lida com os buracos no sistema e nem com aquela parte da população que não tem como pagar suas dívidas. Foi mal feito e já mostrou com a queda das bolsas de hoje que não está funcionando. A queda de hoje é um voto de não confiança no pacote. O texto original, de apenas três páginas, é uma aberração. Em três páginas o governo pede para gastar US$ 700 bilhões, sem controle nenhum. Esse dinheiro é o equivalente a tudo que os países ricos dariam para os países pobres em ajuda em dez anos. Se um governo de um país emergente tivesse proposto algo parecido, as autoridades americanas estariam gritando, acusando os governos de corruptos e de falta de transparência. A realidade é que o governo americano jamais poderá voltar a dar lições de moral ou de economia aos países emergentes. O pacote não vai resolver o problema. Ele é importante e precisava ser aprovado, mas não vai resolver.
Estado - Em que estado o próximo presidente americano assumirá o país?
Stiglitz - Em um verdadeiro caos. O próximo presidente irá herdar um país em caos, no Iraque, na economia global e no mercado americano.
Estado - Qual é a solução?
Stiglitz - Estimular de novo a economia, ajudar os 3 milhões de americanos que estão sem casa
por causa da crise e dos outros 2 milhões que ficarão sem suas casas até o final do ano. Estamos
ajudando os ricos, mas não os pobres e a classe média. A economia mundial vai se desacelerar e
esse é só o começo. Mas precisamos também recapitalizar os bancos, sempre de uma forma transparente. Precisamos restabelecer a confiança. Mas não com discursos e sim com ações. Há quem desconfie que Paulson queria na realidade o mandato para dar US$ 700 bilhões aos bancos sem que os americanos soubessem. Precisamos de novas regulações e pessoas regulando o sistema. Alan Greenspan nunca regulou nada. Ninguém deu um basta à festa.
Estado - Hoje estamos vendo que os problemas na Europa são tão graves como o dos Estados Unidos. O que deve ser feito?
Stiglitz - A primeira coisa é implodir o Tratado de Maastricht, que coloca um limite aos gastos
públicos. A Europa precisa de um enorme pacote de ajuda a seu sistema financeiro. Os europeus
compraram muitos papéis podres e os americanos precisam agradecer muito isso. Caso contrário,
nossa situação seria ainda pior. A crise não acabou e o pior pode estar por vir ainda. A Europa
não pode dar uma solução nacional a cada banco. Um plano conjunto precisa ser feito, ainda que
haja ainda um problema de fragmentação nas decisões na Europa.
Estado - Como os Estados Unidos chegaram à essa crise?
Stiglitz - Há várias explicações. Mas gostaria de alertar pelo menos um dos fatores, a guerra no Iraque, que agravou a situação. Nos últimos anos, vimos uma abundância de créditos nomercado, com uma liquidez ampla. Mas isso era em parte obra do Tesouro americano que tomou medidas nesse sentido para inclusive pagar pela guerra no Iraque e pagar pelo petróleo mais caro. A guerra foi basicamente financiada com um cartão de crédito e agora a dívida é de todos. A crise tem grandes chances de ter ocorrido mesmo sem a guerra. Mas a guerra a tornou profunda. O que eu quero dizer é que, na realidade, o problema era também com a situação da economia americana.
Estado - Mas certas teorias apontam que guerras podem estimular as economias.
Stiglitz - Verdade, mas não quando ela afeta diretamente o preço do petróleo. Em 1991, na primeira guerra do Iraque, os anos seguintes também viram uma queda da economia americana. Na atual guerra, um dinheiro formidável foi usado para pagar empresas estrangeiras e, portanto, não voltou à economia americana.
Estado - Na história da economia mundial, o que representa a atual crise?
Stiglitz - Ela é o fim de uma era. Um marco de que as políticas que começaram com (Ronald) Reagan e Margareth Thatcher não funcionam. A China hoje está sentada sobre uma reserva de US$ 1,8 trilhão. Nos Estados Unidos, o país soma dívidas de US$ 9 trilhões. A crise é ainda marca a diminuição da influência americana no mundo. Vimos os EStados Unidos tendo de mendigar dinheiro para recapitalizar o Merrill Lynch e o Citi. Essa é uma demonstração dramática do fracasso de um modelo. Há poucos meses, Washington dava lições à China e alertava que a falta de transparência de seus bancos era perigoso para o sistema internacional. Depois, atacou a Índia por manter fechado seu sistema financeiro.
Hoje, ninguém mais vai ouvir essas receitas. Por anos vimos como essas políticas afetaram de forma negativa o Brasil, Argentina, Rússia e Ásia. Em todos esses casos, tivemos pacote de resgate que, na realidade, eram para salvar os bancos credores, e não as economias. Todos sabíamos que o modelo não funcionava. Mas as crises estavam distantes. Agora, ela está em casa. As mesmas pessoas que hoje estão com sérios problemas eram as que, nos anos 90, gerenciavam os planos para salvar os países emergentes.
Jamil Chade, de O Estado de S. Paulo
GENEBRA - O Brasil não está imune à crise e corre o risco de sofrer uma bolha na agricultura diante da crise internacional. O alerta é do prêmio Nobel de economia, Joseph Stiglitz, que em entrevista ao Estado alerta que o Brasil precisa se preparar para enfrentar um cenário em que os créditos estarão escassos por vários meses ainda. O economista americano ainda aponta que a crise marca o fim de uma era, alerta que a Europa pode ter problemas tão severos quanto a dos Estados Unidos, pede um plano europeu para salvar a economia e alerta que o pior pode ainda estar por vir.
O prestigiado economista que entrou em choque com o Tesouro americano no início da década quando era economista chefe do Banco Mundial ainda aponta que a queda das bolsas desta segunda-feira, 6, foi "um voto de não confiança" no pacote elaborado pela Casa Branca. "Nunca mais nenhum país em desenvolvimento vai dar qualquer credibilidade às recomendações dos Estados UNidos", afirmou.
Ele também aponta que o próximo presidente americano irá herdar "um verdadeiro caos, no Iraque, na economia global e no mercado americano". "A desaceleração da economia está apenas começando", disse.
Após a entrevista, Stiglitz falou para uma platéia de 1,5 mil pessoas em um teatro de Genebra e destacou que Wall Street não fez sua parte em gerenciar risco e o lobby vindo do setor financeiro até recusou novas leis. "Os bancos acreditaram em alquimia financeira, agências de Avaliação de risco eram pagas por bancos", alertou. "Não precisa ser um ganhador do Prêmio Nobel para saber que havia algo de errado, principalmente no setor imobiliário", disse.
Mas ainda destacou que um problema fundamental foi a situação da economia americana e o fato de o Federal Reserve (banco central dos Estados Unidos) ter adotado uma postura que acabou contribuindo para a crise. "Os Estados Unidos não aprenderam com os erros da América Latina nos anos 70 e 80. "Nos anos 70, quando o mundo entrou em crise por causa do preço do petróleo, só uma região conseguiu crescer. Era a América Latina, que continuou tomando empréstimos. Nos anos 80, pagou o preço e levou mais de uma década para se recuperar. Os Estados Unidos fizeram a mesma coisa e continuou tomando empréstimos", disse.
Ele conclui ainda que o mundo tem conhecimento suficiente e já viveu experiências nos anos 90 para saber evitar que a crise atual se transforme em uma recessão profunda. "Mas precisamos usar esse conhecimento", concluiu.
Eis os principais trechos da entrevistas:
Estado - Qual será o impacto dessa crise nos países emergentes?
Stiglitz - Todos sofrerão. Mas a ironia é que há uma década estávamos vivendo a crise na Ásia e
o governo americano acusava os líderes de falta de transparência. Hoje, a falta de transparência nos Estados Unidos é tão grande que ninguém sabe o tamanho do problema, nem nos Estados Unidos nem na Europa. A conseqüência direta da crise é de que ninguém mais no mundo seguirá fórmulas propostas pelos Estados Unidos nem um receituário. Outro impacto que os emergentes vão sentir é um aumento de seus spreads, já que o mercado estará se protegendo de todo o tipo de risco. O resultado é uma queda importante de créditos.
Estado - Para o Brasil, diretamente, qual seria a conseqüência?
Stiglitz - O Brasil hoje está bem melhor preparado que há alguns anos e não sofre uma crise imobiliária. Mas quem pode sofrer são os investidores na agricultura. Podemos ter uma bolha na
agricultura brasileira. Isso porque muitos investidores estrangeiros colocaram seu dinheiro nas commodities nos últimos meses, fugindo do dólar. Isso, como conseqüência, gerou uma alta nos preços dos alimentos, mas também pressionou para cima o preço da terra brasileira. Com a crise, o primeiro impacto é o fim dos créditos e dos investimentos e as dívidas contraídas no Brasil podem ser um problema no campo. Além disso, tudo indica que os preços das commodities vão cair. A bolha no Brasil pode estar no campo. Ninguém está imune à crise. O Brasil, por melhor preparado que esteja, também não está imune.
Estado - O pacote americano é uma solução?
Stiglitz - De forma nenhuma. É como fazer uma transfusão de sangue a um paciente com hemorragia interna. O pacote não lida com os buracos no sistema e nem com aquela parte da população que não tem como pagar suas dívidas. Foi mal feito e já mostrou com a queda das bolsas de hoje que não está funcionando. A queda de hoje é um voto de não confiança no pacote. O texto original, de apenas três páginas, é uma aberração. Em três páginas o governo pede para gastar US$ 700 bilhões, sem controle nenhum. Esse dinheiro é o equivalente a tudo que os países ricos dariam para os países pobres em ajuda em dez anos. Se um governo de um país emergente tivesse proposto algo parecido, as autoridades americanas estariam gritando, acusando os governos de corruptos e de falta de transparência. A realidade é que o governo americano jamais poderá voltar a dar lições de moral ou de economia aos países emergentes. O pacote não vai resolver o problema. Ele é importante e precisava ser aprovado, mas não vai resolver.
Estado - Em que estado o próximo presidente americano assumirá o país?
Stiglitz - Em um verdadeiro caos. O próximo presidente irá herdar um país em caos, no Iraque, na economia global e no mercado americano.
Estado - Qual é a solução?
Stiglitz - Estimular de novo a economia, ajudar os 3 milhões de americanos que estão sem casa
por causa da crise e dos outros 2 milhões que ficarão sem suas casas até o final do ano. Estamos
ajudando os ricos, mas não os pobres e a classe média. A economia mundial vai se desacelerar e
esse é só o começo. Mas precisamos também recapitalizar os bancos, sempre de uma forma transparente. Precisamos restabelecer a confiança. Mas não com discursos e sim com ações. Há quem desconfie que Paulson queria na realidade o mandato para dar US$ 700 bilhões aos bancos sem que os americanos soubessem. Precisamos de novas regulações e pessoas regulando o sistema. Alan Greenspan nunca regulou nada. Ninguém deu um basta à festa.
Estado - Hoje estamos vendo que os problemas na Europa são tão graves como o dos Estados Unidos. O que deve ser feito?
Stiglitz - A primeira coisa é implodir o Tratado de Maastricht, que coloca um limite aos gastos
públicos. A Europa precisa de um enorme pacote de ajuda a seu sistema financeiro. Os europeus
compraram muitos papéis podres e os americanos precisam agradecer muito isso. Caso contrário,
nossa situação seria ainda pior. A crise não acabou e o pior pode estar por vir ainda. A Europa
não pode dar uma solução nacional a cada banco. Um plano conjunto precisa ser feito, ainda que
haja ainda um problema de fragmentação nas decisões na Europa.
Estado - Como os Estados Unidos chegaram à essa crise?
Stiglitz - Há várias explicações. Mas gostaria de alertar pelo menos um dos fatores, a guerra no Iraque, que agravou a situação. Nos últimos anos, vimos uma abundância de créditos nomercado, com uma liquidez ampla. Mas isso era em parte obra do Tesouro americano que tomou medidas nesse sentido para inclusive pagar pela guerra no Iraque e pagar pelo petróleo mais caro. A guerra foi basicamente financiada com um cartão de crédito e agora a dívida é de todos. A crise tem grandes chances de ter ocorrido mesmo sem a guerra. Mas a guerra a tornou profunda. O que eu quero dizer é que, na realidade, o problema era também com a situação da economia americana.
Estado - Mas certas teorias apontam que guerras podem estimular as economias.
Stiglitz - Verdade, mas não quando ela afeta diretamente o preço do petróleo. Em 1991, na primeira guerra do Iraque, os anos seguintes também viram uma queda da economia americana. Na atual guerra, um dinheiro formidável foi usado para pagar empresas estrangeiras e, portanto, não voltou à economia americana.
Estado - Na história da economia mundial, o que representa a atual crise?
Stiglitz - Ela é o fim de uma era. Um marco de que as políticas que começaram com (Ronald) Reagan e Margareth Thatcher não funcionam. A China hoje está sentada sobre uma reserva de US$ 1,8 trilhão. Nos Estados Unidos, o país soma dívidas de US$ 9 trilhões. A crise é ainda marca a diminuição da influência americana no mundo. Vimos os EStados Unidos tendo de mendigar dinheiro para recapitalizar o Merrill Lynch e o Citi. Essa é uma demonstração dramática do fracasso de um modelo. Há poucos meses, Washington dava lições à China e alertava que a falta de transparência de seus bancos era perigoso para o sistema internacional. Depois, atacou a Índia por manter fechado seu sistema financeiro.
Hoje, ninguém mais vai ouvir essas receitas. Por anos vimos como essas políticas afetaram de forma negativa o Brasil, Argentina, Rússia e Ásia. Em todos esses casos, tivemos pacote de resgate que, na realidade, eram para salvar os bancos credores, e não as economias. Todos sabíamos que o modelo não funcionava. Mas as crises estavam distantes. Agora, ela está em casa. As mesmas pessoas que hoje estão com sérios problemas eram as que, nos anos 90, gerenciavam os planos para salvar os países emergentes.
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