sábado, 19 de abril de 2008

Marxismo idealista ?


Uma passagem - inserta n'O Capital, de Karl Marx - voltou-me à mente. Considero-a interessante como contribuição para um antigo debate :

" É oportuna, aqui, uma breve resposta à objeção levantada por um peíódico teuto-americano, quando apareceu meu livro "Contribuição à Crítica da Economia Política", 1859. Segundo ele, - minha idéia de ser cada determinado modo de produção e as correspondentes relações de produção, em suma, "a estrutura econômica da sociedade a base real sobre que se ergue uma superestrutura jurídica e política, e à qual correspondem determinadas formas de consciência social"; de "o modo de produção da vida material condicionar o processo da vida social, politica e intelectual em geral", - tudo isto seria verdadeiro no mundo hodierno, onde dominam os interesses, mas não na Idade média, sob o reinado do catolicismo, nem em Roma ou Atenas, sob reinado da política. De início, é estranho que alguém se compraza em pressupor o desconhecimento por outrem desses lugares-comuns sobre a Idade Média e a Antiguidade. O que está claro é que nem a Idade Média podia viver do catolicismo, nem o mundo antigo, da política. Ao contrário, é a maneira como ganhavam a vida que explica porque, numa época, desempenhava o papel principal, a política, e, na outra, o catolicismo. De resto, basta um pouco de conhecimento da história da república romana para saber que sua história secreta é a história da propriedade territorial. Já Dom Quixote pagou pelo erro de presumir que a cavalaria andante era compatível com qualquer estrutura econômica da sociedade."

In, O Capital, Vol. I, Livro Primeiro, Capítulo I, Nota 33 (pag. 91 da 9 Edição - Ed. Difel)




Pessoalmente, porém, prefiro essa entrevista, dada em Portugal pelo fantasma do eminente pensador, em que analisa alguns aspectos da pós-modernidade:


1ª Parte da entrevista a Karl Marx
(extraída de: http://blogoexisto.blogspot.com)


Entrevistador -- Cento e cinquenta anos após a primeira edição do Manifesto do Partido Comunista, gostaria de conhecer, dr. Marx, a sua impressão geral sobre o mundo que veio encontrar.

Marx --
A minha impressão não podia ser melhor. Em primeiro lugar, estou feliz por verificar que a ditadura do proletariado se encontra tão solidamente implantada.

Entrevistador -- A ditadura do proletariado?

Marx --
Claro. Ao contrário do que se passava no século XIX, o sufrágio universal é hoje uma instituição indiscutível em qualquer país civilizado. Ora, com o sufrágio universal, os trabalhadores estão sempre em maioria no eleitorado. Daí o facto de conseguirem sempre impor a sua vontade. É a ditadura democrática dos trabalhadores.

Entrevistador -- Mas o senhor chama ditadura à vontade da maioria?

Marx --
Acha estranho? Pois olhe que, ainda há poucos anos, o dr. Mário Soares expôs uma ideia semelhante, quando afirmou que o governo do Professor Cavaco estava a impor uma ditadura da maioria.

Entrevistador -- De todo o modo, a opinião dominante hoje em dia é que o senhor se enganou redondamente nas suas previsões sobre a inevitável derrocada do capitalismo e subsequente triunfo do socialismo.

Marx --
São tolos, não entendem o mundo em que vivem. A verdade é que, olhe-se para onde se olhar, o que vemos é o progresso do socialismo triunfante. Recentemente, estive nos EUA, e pude constatar que, lá, os trabalhadores já controlam a economia.

Entrevistador -- Está outra vez a fugir ao assunto. Seja directo, por favor: prove-me que o que hoje se passa no mundo tem alguma coisa a ver com as suas propostas políticas.

Marx --
Eu nunca fiz muitas propostas concretas, tal como nunca fiz muitas previsões. Achava e continuo a achar que isso é uma perda de tempo. O que lhe digo é que, agora, pode-se viajar por toda a Europa sem ter a polícia sempre à perna. Vim a Portugal sem passaporte. No meu tempo, precisava de um passaporte para me deslocar dentro da própria Alemanha. Não acha que isto comprova o triunfo do ideal internacionalista?

Entrevistador -- Se, como pretende, o poder está agora nas mãos dos trabalhadores, porque é, então, cada vez menor o interesse das pessoas pela política?

Marx --
Não há razão para preocupações. Repare: o indiferentismo é o estádio supremo de desenvolvimento do socialismo. Saint-Simon sustentou que, no socialismo, o governo das coisas sobrepõe-se progressivamente ao governo dos homens. É a isso que, hoje, se chama tecnocracia. Eu apoiei essa tese com tanta insistência que muitas pessoas estão convencidas que ela é minha. Se as pessoas já não estão divididas por conflitos de valores políticos essenciais, que se há-de fazer? É um progresso, e também mais uma prova do termo da luta de classes e do fim da história. Pessoalmente, aprovo este estado de coisas.

Entrevistador -- E o desemprego e a desigualdade salarial?

Marx --
O economista Paul Krugman explicou-me que, à medida que os computadores forem substituindo as profissões técnicas, cada vez será mais valorizado o trabalho dos cozinheiros, dos jardineiros ou dos canalizadores. Se o seu filho não quer estudar, não se rale: provavelmente, é ele que está certo.

Entrevistador -- E o trabalho infantil, e a poluição, e a SIDA, e a clonagem?

Marx --
Calma, calma, uma pergunta de cada vez.

Entrevistador (já a suar) -- Temo bem que os nossos leitores tenham dificuldade em acompanhar um raciocínio tão abstracto. Vamos passar a um tema mais acessível. O que pensa da globalização? Não admite que se trata de uma derrota do socialismo?

Marx --
Ó meu caro amigo, com franqueza! Pois se fui eu, tanto quanto sei, a primeira pessoa a prever e a defender a globalização!

Entrevistador -- O senhor foi a primeira pessoa...

Marx --
Sem dúvida. Sou o mais possível a favor, como tive ocasião de explicar no meu Discurso sobre o Livre Câmbio, pronunciado em 1848 perante a Liga dos Comunistas.

Entrevistador -- Mas por certo não ignora que, hoje, os comunistas são contra...

Marx --
Também no meu tempo eram! Nem queira saber como reagiram quando defendi o livre câmbio e a liberdade de circulação do capital como forma de acelerar o desenvolvimento capitalista e de precipitar o advento do socialismo. Um autêntico escândalo! Há pessoas muito míopes...

Entrevistador (desesperado)-- Vejo que está outra vez a tentar fugir às minhas perguntas. Afinal, estamos ou não no socialismo? Responda-me só: sim ou não?

Marx --
Sim.

Entrevistador -- Mas como é possível dizer uma coisa dessas e pretender ser tomado a sério? O senhor desconhece o que dizem o Dr. Espada, o Dr. Portas, o Dr. Marques Mendes?

Marx --
Uma coisa que me agrada em Portugal é a importância que se dá aos doutores. Faz-me lembrar a Alemanha do meu tempo.

Entrevistador -- Os trabalhadores americanos controlam as empresas? Como assim?

Marx --
O capital das grandes empresas cotadas na bolsa é controlado pelos fundos de pensões nos quais os trabalhadores aplicam as suas poupanças. Por conseguinte, uma parte substancial da economia está nas mãos dos trabalhadores. Já há quase três décadas que é assim.

Entrevistador -- Não me está a querer dizer que já não há capitalistas nos EUA! Bill Gates, por exemplo, um dos homens mais poderosos do mundo!

Marx --
Depende do que se entenda por um capitalista. Segundo a minha teoria, o capital não é uma coisa, é uma relação social assente num elo de dependência. Ora, precisamente, no caso da Microsoft que citou, estou informado de que entre os seus empregados contam-se dezenas de milionários. E como se transformaram esses ditos assalariados em milionários?

Entrevistador -- Não vejo onde quer chegar.

Marx --
Quando os capitalistas têm que pedir por favor aos trabalhadores para trabalharem, as relações de produção são profundamente subvertidas. E isso sucede porque, hoje em dia, os meios de produção essenciais não são mais as máquinas ou as ferramentas. São a capacidade intelectual, o engenho, o know-how. Ora esses instrumentos pertencem ao trabalhador, são inseparáveis da sua pessoa.

Entrevistador -- Curioso, de facto...

Marx --
Desta forma, operou-se a apropriação colectiva dos meios de produção. O patrão já não manda. Quando muito, lidera -- ou pensa que lidera. Os assalariados não são mais assalariados, são impostores, são capitalistas encapotados.

Expliquei tudo isso com a razoável clareza que a minha linguagem razoavelmente obscura permite nos Grundrisse, uns rascunhos de ficção política publicados depois da minha morte.

Entrevistador -- Mas como se processa concretamente essa apropriação colectiva dos meios de produção?

Marx --
Através da escola, é claro! Nos países mais avançados, os filhos dos engenheiros e os filhos dos operários vão às mesmas escolas, onde todos adquirem as mesmas ferramentas intelectuais que lhes permitem, mais tarde, controlar o processo de produção. Em muitos desses países, nem sequer se paga nada pela educação - ou melhor, é a sociedade que a paga. A uniformização social é visível até no modo como os jovens se vestem e se divertem. Ao vê-los saír das escolas, todos de tee-shirt, jeans, sapatilhas e boné, julgo estar a assistir a um desfile de guardas vermelhos.

26 comentários:

Iansã disse...

Zé, acho que você poderá discutir isso com outros colegas do blog, porque eu, sinceramente, já perdi tempo suficiente lendo essa incrível entrevista! E não consigo entender o que ela tem a ver com o excerto colocado antes. Lá trata-se da discussão, quem veio antes, o ovo ou a galinha, a vida material ou a vida simbólica. A entrevista é um absurdo sem qualquer sentido... não condiz com qualquer realidade... não entendi...

jholland disse...

Hehehehe...mas onde está seu senso de humor ??
Vamos "por partes":
1)em relação à primeira parte, não se trata "apenas" do que veio "primeiro", mas a questão nos remete a interessantíssimas e atualíssimas discussões do chamado "marxismo-ocidental" (ou neo-marxismo, ou o que restou dele, e que assumiu alguns contornos cor-de-rosa, sobretudo a partir dos pseudo-marxistas frankfurtianos). Esse marxismo é algo encabulado acerca de algumas proposições do próprio Marx. O título da postagem é, claro, uma provocação, pois se o materialismo histórico é a-histórico (uma lei geral válida para toda e qualquer formação sócio-histórica), poderia ser considerado "idealista" ? (no sentido que todo marxista considera um "palavrão")
2) a segunda parte é uma provocação bem humorada, mas não desprovida de sentido, como vc disse. Por trás da chacota, percebe-se muita densidade; e quem formulou a "entrevista", está por dentro das coisas. Por exemplo:há muito tempo, Schumppeter já havia lamentado que o Capitalismo sucumbiria frente ao socialismo sem a necessidade de uma Revolução, pois a socialização do Capital viria com o desaparecimento do burguês (como de fato aconteceu). E mais: esse mesmo fenômeno, como já haviam salientado outros importantes autores, daria nascimento à burocratização (ou proletarização, como queira) do mundo inteiro. Como de fato aconteceu. E que isso redundaria em um outro tipo de cultura, onde o know-how e o "imaterial" seriam os "valores" por excelência. Disso decorre que talvez já estejamos em uma outra formação sócio histórica (não capitalista e que exigiria, portanto, um ooutro aparato teórico-metodológico para análise), embora essa transformação não tenha redundado em uma sociedade igualitária. Uma conclusão desse tipo foge inteiramente aos cânones marxistas, mas é perfeitamente possível de ser realizada e talvez seja mesmo a única forma de encararmos a situação atual. Daí a ironia "fina" do texto...
Bjs

Iansã disse...

Zé, realmente é nesses momentos que vemos que, apesar de alguns pontos coincidirem, nossas concepções de mundo são MUITO diferentes (inclusive nosso humor).
1) Não acho que da nota de Marx dê para se implicar que materialismo histórico seja a-histórico, apenas que Marx dá um certo primado a vida material sobre a vida simbólica.
2)Não achei nada de refinado na entrevista, achei foi de muito conservador. Não concordo com seu diagnóstico de que foi tudo socializado, claro, olhando pra nossa classizinha de merda, nós, proletariosinhos infelizes que achamos muito bacana poder sermos burguesinhos, com nossos computadores, nossos Ipods, nossas 2 refeições por dia (porque 3 engorda!), nossas roupinhas e sofas que "nos definem como pessoa" (O Clube da luta). Para 90% da população no mundo, absolutamente nada foi socializado, e um diagnóstico desse só poderia vir de uma linha conservadora, como a de Schumpeter e essa entrevista "surreal" que você postou. 90% da população no mundo vivi uma vida não só simbolica, mas principalmente material, miserável.
3)Realmente você acha que não estamos mais no capitalismo? Você está falando muito sério? Não dá pra te acompanhar, então. Um mundo onde a única lógica é a do lucro, você realmente acredita que não estamos no capitalismo?
4)Acho que quando conversamos em outro nível, sobre a colonização crescente do imaginário e do simbólico, falamos a mesma língua. Mas quando vamos ver sobre que premissas estão acentados nossos diagnósticos vemos quando grande é a diferença de nossos pontos de vista. Já falei isso uma vez, você nunca concorda, mas eu acho que são essas premissas que fazem com que no fim tenhamos concepções "políticas" (no sentido de ação no mundo) também muito diferentes. O meio do caminho fazemos juntos, mas chegamos a ele por vias diversas, e o resto, também acho que é difícil pensarmos junto. Vamos coincidir apenas em alguns diagnósticos...

Iansã disse...

Ah, deixa eu adicionar mais alguns pontos.
Se você quer dizer que o mundo do trabalho - e eu especifico, formal - não é mais o centro das contradições no capitalismo finaceirizado em que estamos e com nosso aburguesamento, estamos de acordo, já disse pra você isso, pessoalmente. Embora eu acredite que exista ainda remanescentes das relações trabalhistas industriais como na época de Marx, mas seu estudo, na minha concepção não leva mais a nenhum resultado interessante. Para essa antiga classe proletária, o que conta agora não é a alienação dos meios de produção, mas da vida simbólica. Aí, de fato, a teoria econômica de Marx não cabe mais.
No entanto, estou com todo marxismo ocidental quando fico com o fenômeno de reificação de Marx, até seu admirado Debord casou com ele nesse ponto. E não acho que isso seja um marxismo cor-de-rosa. O que ficou cor-de-rosa foi a esquerda do estado de Bem-estar social.
Mas, também é preciso admitir que a política marxista feitas nos moldes antigos faliu e quem insiste nela não percebe que a burocratização e a alienação de ideais que virá com ela - descolando discurso de agenda política - será inevitável.
Então, de fato, será preciso ter uma ousadia arendtiana e apropriar-se livremente de outras teorias e buscar outras abordagens que complementem o fetichismo marxista e sejam capzes de atualizar as tentativa de união entre teoria e práxis 9uma das ambições de Marx em seu tempo).
Nesse sentido apropriar-se de concepções pós-modernas e pós-estruturalistas(embora o diagnóstico dessa escola já tivesse sido, pelo menos em seu esboço masi geral adiantado pela escola de Frankfurt) e verificar que existe de fato uma fragmentação e uma perda total de valores que está a impossibilitar uma "luta de classes". Que querer voltar a um ideal de vida comunitária é romanticametne conservador. É preciso assumir essa fragmentação.
Aí vamos coincidir de novo. Hoje, o indivíduo é quem, microscopicamente, reproduz o sistema, sem o perceber, porque está fragmentado e alienado ao extremo, porque não só sua vida material foi alienada, mas todas as suas relações.
É preciso olhar agora as formas de alienação não do trabalho, mas sim do consumo.
Mas também é preciso reconhecer que o mundo está nas mãos do poder financeiro. Que enquanto levamos uma vida de gado, comendo nossa ração diária e nos satisfazendo com isso, o capital financeiro dita as regras do jogo. Isso não se pode negar. Toda miséria do mundo, toda escassez do mundo (vide e-mail do Guilherme de hoje) é gerada aí. Não dá pra negar esse fator de economia política.
A maior parte da energia gasta no mundo não somos nós que gastamos, mas a indústria. A poluição em sua maioria não vem de nossas casas, mas das corporações.
Não digo que não devemos pensar nessas coisas, que não devamos economizar água e luz, reciclar lixo. Essas são questões que nos fazem pensar, pelo menos nos DEVE fazer pensar sobre o nosso padrão geral de consumo e nossas relaç~es com as coisas.
O mundo precisa de nós desesperadamente e é preciso lutar contra essa colonização de nosso imaginário, lutar contra essa matrix e ver que para além do nosso jardim de delícias há algo que cheira muito mal. É preciso que os indivíduos se transformem, mas que também tomem partido, é preciso que surja uma nova práxis política, de todos, não de alguns representantes, que nos devolva o mundo e que nos faça novamente viver com ele.
Agora, existe sempre a opçao de deixar o barco correr e esperar que a raça humana se extinga logo, porque na maioria das vezes não vejo nada que vaçha a pena eternizar essa espécie. Somos apenas mais uma das milhares que surgiram e só porque temos o dom de falarmos bobagens nos achamos "sobrenaturais". Gosto de ser otimista e acreditar que nós não sobreviveremos a nós mesmos, mas que a Terra poderá.

jholland disse...

Boa resposta ! Só não entendi o que vc falou acerca do "senso de humor".
De qualquer forma, vamos lá:
1) em relação àquela filigrana teórica, a Nota de Marx deixa claro, claríssimo, que seu "sistema" pode e deve ser aplicado às mais diferentes e díspares formações sócio-históricas do mundo inteiro (!), desde Atenas, Roma e até na Idade Média, sem falar, é claro, ao próprio Capitalismo. Ora, se isso não significa que seja "a-histórico" (pois se trata de uma formulação que tem o poder e o dever de explicar a dinâmica nas mais singulares culturas), então não sei o que significa "a-histórico". Então, para não ficarmos presos a uma discussão "semântica" (do que seja a-histórico etc etc), creio que podemos nos ater à própria Nota, pois é auto-explicativa. Não que isso tenha grande importância. Quis apenas chamar a atenção para o fato de que alguns setores se (auto-)apropriam do marxismo, mas, comodamente, parecem "esquecer" algumas implicações e pressupostos teóricos.Acho também que ilustra um pouco aquilo que, para alguns, teria sido um escorregão de Engels, ao tentar criar o "materialismo dialético" - no que foi esculhambado pelo nosso festejado Lukacs (com razão !), embora, vê-se, aquele estivesse em concordância com o próprio Marx !
2) em relação à sua crítica e ao seu diagnóstico, estes merecem maior atenção. De início, percebi um certo ímpeto em refutar-me, porém, lendo com mais atenção a primeira e a segunda parte, creio que concordamos em quase tudo, embora isso talvez te sôe desconfortável. Novamente, não sei porque devemos discutir semântica. Será que as etiquetas, as grifes devem ser tão importantes ? Explico: da mesma forma que pouco importa o que seja "a-histíco", sendo mais importante o conteúdo, a idéia em si, no presente caso, pouco importa se chamamos a atual configuração cultural/sócio-histórica/econômica de "Capitalismo de Terceira Fase", "Capitalismo Pós-Industrial", Capitalismo Cognitivo", Capitalismo Simbólico", ou mesmo que confiramos outro nome para isso (diferente de "Capitalismo - "Trololó", por exemplo). O que importa é que a configuração mudou inteiramente sua dinâmica e requer outra formulação teórica e outra "práxis" - conforme vc mesma disse. Portanto, estamos aqui diante de uma formação diferente em praticamente tudo, com exceção é claro, de que não temos igualdade nem liberdade (muito pelo contrário - estamos diante mesmo de um sistema neo-fascista, como vc bem sabe). A afirmação de que talvez fosse melhor simplesmente abandonar o conceito "Capitalismo" é, sem dúvida, bastante ousada, mas creio que também seja instigante, especialmente para as análise da situação futura, pois creio que estamos num período de transição (fim do Estado Nacional, mudança nos tipos de conflitos, nos sistemas de vigilância e repressão, nas formas de sociabilidade, nas formas de tratar o corpo etc etc). Porém é muito difícil de ser aceita pelos establishment ("marxistas" (?) ou não) de hj; para o imaginário dos "marxistas", pelo simples fato de que , o Capitalismo somente poderia "evoluir" em (a) uma sociedade sem classes ou (b) o apocalipse (qualquer semelhança com mitos Judaico-Crstãos não é mera coincidência); para o imaginário dos "não-marxistas" (?) , decretar o fim do Capitalismo seria representaria um terremoto. É mais ou menos a mesma coisa que acontece com sua irmã siamesa, a "Democracia". Ora, sabemos que não há mais qualquer resquício de Democracia no Ocidente, mas seria muuito difícil para alguém dizer publicamente isso. O imaginário (e os mitos) são muito poderosos. Dizer, por ex. que os EUA não são mais uma Democracia talvez provocasse uma revolução no O cidente. É importante para o sistema que mantenhamos certas concepções míticas em funcionamento...Ora, em relação aos "marxistas " (?) voltamos aqui à incrível necessidade "nominalista-mítica" , necessidade esta que acaba por obliterar a análise e a própria ação...Creio mesmo que aqui haja um resquício de "messianismo". Será que numa análise corajosa e sincera, esse tipo de motivação não poderia ser desvendada ?

jholland disse...

Apenas para pontuar melhor a discussão, gostaria de acresntar que:
1) quando me referi a persistência da desigualdade e da não-liberdade - como elementos que persistem em relação ao "Capitalismo" - gostaria de corrigir-me. Sim, porque até mesmo essa afirmação é "fetichista" e "obliterante". Na verdade, a conformação atua atual deve ser analisada em toda sua singularidade e, assim, devo dizer que a desigualdade e a não-liberdade que temos a nossa frente (no sentido espacial e temporal) é de natureza diferente da que foi analisada ´no passado, especialmente por Marx. O novo sistema é singular em tudo.
2)em segundo lugar, apenas para evitar mal-entendidos, quando me referi à idéia de "Democracia", estava obviamente me referindo à Democracia burguesa, o que torna o diagnóstico bastante radical.

Iansã disse...

0)Tenho um probelma horrível de tom, sempre.Eita que não perco essa característica. Então, não tô brigando, hein (digo isso porque fui ler de novo o que escrevei e me achei meio mal-criada).
1)Humor: disse isso pra te provocar, pq não achei nada engraçado enm irônico naquela entrevista, não adiante, não vou gostar dela. Pode me chamar de marxista burocrata!
2)Entendi o que vc quis dizer com a-histórico, e de fato parece que Marx com a nota quer dizer que o materialismo histórico é a-histórico. Mas, se considerarmos que materialismo histórico é o método que tem como fundamento a vida material (não economia no sentido da economia poítica, que é característica do capitalismo, mas como forma de existência material). Nesse sentido, devo admitir que Weber foi essencial. A forma como se estabelece a vida material não surge do nada, surge com seu suporte, os homens e seus sistemas simbóligos. Mas, ao mesmo tempo, a vida simbólica não surge do nada, tem um dialogo direto com o meio material. Seria interessante pensar, antão, em termos de uma "dialética" (diálogo) entre meio e crença/ideologia/simbólico.
3) Pode ser que eu não esteja me vendo bem, mas não sou a favor de manter o diagnóstico do capitalismo porque é difícil se desfazer de "mitos!, mas pq a lógica do sistema continua o mesmo, o valor que gera valor, o lucro pelo lucro. Se as formas de dominação tiveram que se atualizar graças a uma série de movimentos que surgiram de contradições do sistema, a lógica continua a mesma.
4) Nesse sentido, as formas de luta devem ser atualizadas e os novos lugares onde as contradições aparecem, já que não serão apenas nomundo do trabalho, devem ser buscados. Por exemplo, a esfera polítca, da representação democrática é um novo lugar de contradições. E se a esquerda já pensou em tomar o poder, hoje percebeu (ou pelo menos deveria er percebido) que isso não traz mais benefícios, esvaziou-se.
Um sintoma disso é a transformação de exercítos antes revolucionários em "terroristas", ou seja, a negação total de uma esfera política de fato, que consiga engajar atores diversos e dissonantes, fez com que surgisse esse novo conceito.
5) Muitas formas mudaram, mas não acho que se trate de uma fase Além do capital. Estamos na era do capital, cada vez mais do que nunca.

jholland disse...

Que bom que vc voltou a seu estado de humor habitual, pois pareceu-me mesmo que vc estava "em pé de guerra". Não que isso nos afetasse, pois "faz parta" da relação - hehehehe...
Bom, novamente me vejo mais em convergência com vc do que em divergência (não sei se isso te agrada).
Talvez a questão seja: o que é o Capitalismo? Para não alongar demais, considero o Capitalismos não apenas um sistema econômico, mas como uma configuração sócio-cultural (e também econômica, portanto).
Sigamos em frente...
Todos nós aqui - especialmente deste Blog, que tem se dedicado a evidenciar isso - sabemos que mudanças profundas estão em curso bem na frente de nossos olhos. Senão vejamos: a) mudanças nas relações de gênero; b) mudanças na relação com o corpo; c) mudanças na concepção de tempo e de espaço; d)mudanças nos sistemas repressivos; e)mudanças nas guerras; f)mudanças nos sistemas de soberania (configuração imperial difusa etc); g)mudanças na educação; h) mudanças no cotidiano e nos sistemas de valores (do "ter" para o "parecer" etc); i) mudanças na identidade (construção social de identidades, por grupos e subgrupos etc etc); j)mudanças na representação poítica (não me admiraria se voltarmos a um sistema Feudo-Fascista do tipo: representação proporcional de mulheres, negros, gays etc etc); k)mudanças nas formas de contestação; l)mudanças nas formas de organização social (em rede etc).
Vejo claramente que o sistema individualista está se alterando para algo ainda mais egóico, porém de caráter grupal. As identidades estão sendo construídas por matiz: "sou mulher, gay e negra. Sou pobre e tenho direitos enquanto representante desse grupo..." etc.
Isso não representa uma mudança "civilizacional" ? E o que dirá da relação com a técnica (pós-humano)? Dizer simplesmente que isso é uma radicalização do antigo sistema é uma "meia-verdade" e, por isso, muito perigogo, pois se em parte é verdade (pois não houve uma ruptura, uma revolução como queriam muitos), isso ofusca o alcance da transformação que, para ser aceita, requer que abandonemos, sim, nossas arraigadas concepções messiânicas e verifiquemos que o sistema se desdobrou e se reforçou em uma outra configuração, talvez mais forte. Sem falar que muito derramamento de sangue está acontecendo por conta disso, inclusive por razões ecológicas.
Ora, dizer que a geração de mais-valia significa a persistência do Capítalismo é dissolver esse conceito a quase nada, generalizá-lo. Novamente vejo a persistência mítica, na afirmação de que "se temos geração de capítal, então nada de significativo mudou...". Além disso, devemos considerar: será que o "capital" de hoje é gerado, distribuído e consumido nos mesmos termos que dantes? De que "capital" estamos falando (material, cognitivo, virtual, simbólico - cada uma dessas modalidades não gera diferentes tipos de apropriação e de construções de distinção e poder) ?
Por fim, receio dizer que uma teorização ampla dessa forma de "novo-Capitalismo" ("Capitalismo-trololó"...) não está sendo elaborada nas Universidades (muito bem comportadas para isso...), mas deve estar sendo elaborada, nesse exato instante, no Pentágono ou em Pequim...
Bjs

Iansã disse...

1)Não tenho problema nenhum em concordar com você... nem de discordar... às vezes acho que você gosta mais quando discordo ;)
2)As mudanças nas relações de gênero, etnia, opção sexual não se explicam pelo caráter econômico do capitalismo, mas com seu estágio avançado de alienação. O que quero dizer é... contra o que parecia uma massificação e homogeinização de tudo e de todos, a perda total de identidade, surgiram movimentos em prol da diferença (o romantismo, podemos dizer, já foi um certo tipo de reação ao processo civilizador). Acontece que, o sistema "fagocita" tudo, e no estágio que Debord diagnosticou como de reino das imagens, o que era uma busca por uma voz e por um engajamento no mundo virou marca. O ser foi deixado de lado e agora basta parecer... não só basta! É PRECISO parecer! Preciso de uma marca que me "defina como pessoa" (adoro citar Clube da luta!): Preciso ser negra, gay e pobre. Preciso ser free-lancer, bissexual e chinês. Preciso ser "meio-intelectual,meio-de-esquerda". Esses são meus "tótens", porque nada mais me restou, porque não tenho qualquer relevância no mundo a não ser por meio destas imagens. "Tudo o que era vivido diretamente tornou-se representação" e "O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas a relação social entre pessoas, mediada por imagens".
Quais instrumentos o sistema usou para se apropriar dessa vozes e torná-las vazias, "aliená-las", como vez primeiro com o trabalho, depois com o consumo, e agora com o amor (por deus, entre as pessoas, pelos amigos, entre homens e mulheres)? Dos mesmos meios que a dissonancia criou! O método é o mesmo: esvaziar para dominar, tornar mercadoria.
Mas pensar assim e o mesmo que pensar o capitalismo como um senhor de barbas, brincando com suas marionetes.
Por esse motivo gosto de voltar ao velho barbudo. Então vamos devagar e deixemos algumas coisas um pouco mais claras.
O que é capital? Capital é valor que gera valor. Nesse sentido, para mim não existe "capital simbólico","capital humano", "capital qualquer coisa". Capital é capital, valor que gera valor (D - D').
Quando a lógica passa de m - m' ou mesmo m - d - m' (d aí servindo como MEIO, de fato, de troca) para d - m - p - m' - d' (vamos abstrair a esfera da produção, p, que para o que nos interessa aqui ainda não é relevante, e que Marx não me ouça falando isso, pq para ele todo segredo está nessa esfera, mas... vamos lá). Quando o fim não é um valor de uso, mas sim mais-dinheiro, toda a lógica da produção vai mudar, o que era mei passa a ser fim. Num primeiro momento, comer, vestir, morar, beber, são meios de lucrar. Sem lucros não há como "reinvestir", sem "reinvestimento" perde-se vantagens competitivas, e a existência, mesmo material, do capitalista está em riso.
(Masi uma vez vamos dizer que nem tudo é tão simples assim, e como não estamos presos a dogmas acad~emicos podemos colocar Weber nesse caldo e lembrar que paralelamente as revoluções industriais, e ao desenvolvimento do comércio, aparecem mudanças de mentalidade, como a reforma, possibilitandoe reforçando a adoção desse sistema material de reprodução)
Voltando, se o lucro é não só fim, mas é também necessário, única forma de sobrevivência do capitalista, ele buscará novas possibilidades de lucro, de negócios em todos os lugares e esferas.
Vamos fazer mais uma combinação maluca e chamarmos Rosinha... podemos ousar voar e alargar a concepção de Rosa, pensando que a "colonização" necessária de formas não-capitalistas pelo capitalismo pode ser uma colonização de tudo aquilo que ainda não entrou na sua lógica, seja um modo de produção (de meios materiais), seja uma forma de sociabilidade, seja "arte", seja "politica". Por que? Porque aí estão novas formas de negócio, porque assim amplia-se não só o mercado, mas a gama de mercadorias que se pode oferecer. Ou seja, quando a lógica é lucro, lógica capital (valor que gera valor) tudo DEVE ser mercantilizado.
Mai uma vez precisamos lembrar do substrato, os indivíduos. Ora, nessa lógica perderam qualquer sentido: o preocsso de alienação que começou na esfera do trabalho espalha-se. Indivíduos não são sujeitos, não se sentem mais sujeitos: primeiro no trabalho, depois na política, em casa, na cama... Sem achar lugar que faça sentido no mundo, desprovido de todo seu mundo humano (a esfera do simbólico e da cultura) e preso a esfera biológica da mera sobrevivência física, os indivíduos são o "mercado" perfeito. Gerar sentido para a vida humana e transformá-la em mercadoria é muito lucrativo.
Voltamos ao começo: o sistema "fagocita" a dissidência não para controlar/evitar a revolução, mas para lucrar com ela! Lucrar para sobreviver! Sobreviver biologicamente!

Iansã disse...

Ah, só faltou dizer, no monento em que o texto, se fecha como num círculo, que se a lógica econômica já não é mais o motivo de me dizer "meio-intelectual, meio-de-esquerada", mas sim falta de sentido na minha existência. Numa perspectiva maior, o econômico volta. Por isso é melhor pensar sempre num diálogo entre simbólico e material.

jholland disse...

Mas eu nunca disse que não se gera capital mais-valia etc, ao contrário, disse que essa explicação converteu-se numa generalização que esconde todas as diferenças.. e possibilidades. Persistimos no mundo da "auto-consciência" burguesa...Persistir nisso apenas nos encerra dentro de seus ditames ; o universo mítico parece-nos absoluto, um paradigma muito difícil de ser transposto. Encerramos, limitamos, a nós mesmos e nosso futuro - assim como a todo nosso horizonte cognitivo - que, dessa forma, não se amplia, e fica a dar voltas em círculos.
Obviamente que a mercadoria e a acumulação de capital são peças-chaves na reprodução do sistema. Mas não são as únicas e talvez nem mesmo as principais. Lembro-me, a propósito, uma idéia antiga: a Crítica da Razão, lembra-se ? Enquanto isso, a história não pára, novas formas estão sendo criadas todos os dias, o cotidiano é um incessante devir, ao contrário do que quer que pensemos a ideologia hegemônica...

Iansã disse...

Zé, não estou entendendo. estamos ou não vivendo nesse mundo "fascista", segundo suas prórpias palavras. Não acho que ficar no que ver o capitaliso como um grande demônio devorador me deixa presa ao que você chama de "auto-consciência burguesa" (aliás explique isso, pq pra mim auto-consciência burguesa mais uma peça de supermercado, vamos lá comprar...). Não posso é tapar o sol com a peneira. Que outras formas estão livres de sua fagocitose, diga-me!!!??? E por qaunto tempo??? está aí pra qualquer um ver Zé. Agora se eu de fato achas-e que o cotidiano é construido a cada dia, tinha ficado com a posição do jardinerio, e ia logo comprar um ingresso de camarote pra ver o mundo humano se acabar (como já disse, posição extremamente otimista).
A lógica do lucro tem se mostrado fagocitária SIM! Você quer que eu diga o que? Que a vida é linda porque me levanto todo dia e todo dia é dia de mudar minha vida!
Tá outra diferença nossa. A mudança na esfera pessoal, pra mim, não vai tão fundo assim. Já disse que preciso de exemplos de conjunto, ação viva, conjunta, efetiva. Só transformação pessoal pra mim não dá. É lindo de pensar, mas não dá pra ver a miséria, material e simbólica, que nos cerca e pensar: "Ah... mas o cotidiano é um devir, e o lucro não é sequer a lógica mais importante". O páis tá uma merda, os EUA invadiram o Iraque por conta de petróleo, bancam o genocídio de palestinos perpetrado por Israel para maner controle de uma área economicamente estratégica, milhares de pessoas morrem de fome no mundo, do lado da minha casa, no meu país, na África. A África vive a barbárie ensinada pelo ocidente, pq não tem qualquer relevancia economica, na verdade é um verdadeiro embaraço. E o sistema não é a forma mais poderosa de colonização???!!!
Voc~e já começa a falar como os antropólogos, Zé. Lindo! lembro te ter dito isso ao John, lindo o que o Sahlins fala em "pessimismo sentimental": "As culturas sobrevivem"! Sei sobrevivem uma ova e se o fazem é as duras penas e sob a ameaça do extermínio físico. Vamos dar um exemplo que talvez toque mais nos dias de hoje, já que falar de palestinos não dá ibope, os judeus são muito mais vítimas...
O Tibet! E o Tibet!? Não é de hoje a destruição da cultura tibetana. Mas hoje virou marca:"Sou negra, gay, pobre e pró-Tibet, não vou assistir as olimpíadas"!
Vamos esquecer que os protestos são mercadoria, emblemas, imagens, simulacros. Vamos dizer que são verdadeiros, pelo menos uma porcentagem não é cínica e leva isso a sério. Bem, o que o Ocidente tem feito? NADA!!! Por que? Porque o Tibet não tem qualquer relevância econômica, mas a China...
Claro que é preciso buscar o "resíduo" no cotidiano, porque somos nós, indivíduos cotidianos que existimos de fato, assim, se algo novo surgir, surgirá de nós. E se somos colonizados, é sempre bom pensar que ainda somos humanos, e por masi que sejamos jogados, por uma lógica (que nós mesmo criamos, hein!!!Veja-se bem!! O Sistema, como disse não é um velho de barba e bigode controlando tudo e a todos, naõ surgiu do nada, é criação humana!), para o âmbito da "vida nua", somos marcados por crenças, por busca de sentido, por "desrazão".
Mas não posso deixar de ver as coisas como são e entrar na do Sahlins e na dos pós-modernos (fazer texto coloridinho, que bunitinho, para mostrar a "voz do outro"). O outro não tem voz!! É preciso colocar cor na vida real não no livrinho da Princeton University Press, ou nos do Encontro Estadual de Ciências Humanas.
(tenho certeza que devo ter sido mal-criada nesse e-mail também..., fazer o que... juro que não queria)

jholland disse...

O que eu acho curioso é que vc fala como se eu não concordasse com vc, como se eu tb não me indignasse. É um vício...Minha posição não está "aquém", mas "além". Considero sua indignação justíssima, porém insuficiente. Para os marxistas - e todos os teóricos generalizantes - tudo aquilo que foge à "fórmula básica" é irrelevante, detalhes que podemos passar por cima. Enquanto isso, como vc bem disse, a história segue, pessoas nascem, são felizes, infelizes, amam, odeiam, assumem o poder, perdem o poder, fazem guerras, morrem etc etc., enfim, infinitas coisas "DE N FORMAS DIFERENTES" acontecem, transmutam-se, modificam-se. A história segue, mas a teoria não acompanha isso. Perde a singularidade. As pessoas estão vivendo, nascendo, amando, se relacionando e morrendo de "n" formas diferentes, porém "tudo é uma manifestação do mesmo fetichismo da mercadoria, nada de essencial mudou etc etc.
Considero que a ideologia é fascista, mas não o mundo. Essa é a diferença: não confundamos a visão que temos do mundo com o próprio mundo. Obviamente, se todo mundo compartilhar a visão fascistóide, a ideologia se fecha mais...Ou não ? Creio que, enquanto o homo sapiens sapiens ainda existir, a ideologia não terá jamais o caráter absoluto que ela pretende ter (o Espetáculo limita-se a exibir a si próprio, lembra-se ?). Os resíduos vão se acumulando, dentro e fora de nós mesmos. Eles são, na verdade, o motor da história, ou melhor, do cotidiano. A história, como disse, continua a girar, não pode ser resumida simplesmente a uma "acumulação fetichista de capital" etc etc. A história é multifacetada, é um fluxo infinito. Perder isso de vista, é perder a noção da realidade (que é sempre infinitamente mais complexa que qualquer abstração generalizante).
Nosso desafio é ampliarmos nossa própria lucidez até o infinito.

Iansã disse...

Não estamos de acordo, Zé. Isso é fato! Não sou eu que reproduzo uma ideologia, Zé. Embora você ache. Não é a teoria que me prende nessa visão de mundo, é o mundo que me obriga a usá-la! Eu não tenho TV, mas basta um dia assitindo Hollywood Young celebrities pra ver que as pessoas não se amam, não se reproduzem , não nascem e vivem impunimente. São caricaturas de pessoas que nascem, ama, e morrem (quando inevitável morrem, porque não acredtitam que envelhecerão ou morrerão). É so ver com que dificuldade encontra-se vida "inteligente" com que conversar, mesmo que seja de bobagem, hein!
E de novo. Nem tudo na minha vida é guiado pela lógica do sistema (mais é preciso olhar pra si mesmo e ver que uma grande parte é sim, mera sobrevivência). Eu vivo e amo á minha maneira (nem sempre, há sempre a sombra do padrão externo guiando minhas escolhas amorosas e sexuais, não posso me enganar e dizer que não), mas mesmo assim amo a minha maneira. Sou feliz em alguns momentos, ouvindo minha música, lendo meus livros, pensando em meus amigos, comendo bem, ouvindo e sentindo o cheiro da chuva. E não importa se o Bush está matando milhares de iraquianos e jovens americanos.
Mas minha felicidade cotidiana não muda o mundo, não desaliena os outros 90% da minha vida e da vida dos outros, não posso me sentir livre porque consigo amar a minha maneira enquanto outros não amam nunca!!! Minha liberdade não faz nenhuma sentido, pra mim, nem a pequena liberdade íntima do outro são não for comprtilhada.
Essa é uma diferença. Meu mundo é coletivo, compartilhado, não é o amor e o nascimento isolado do outro. Enquanto o sangue rola sem qualquer sentido, só pelo lucro, o nascimento e a fomra de amar do outro e minha não me interessa.
Me interessa o nascimento e o amor de todos!!!

Iansã disse...

O que quero dizer é, não concordo com você que minha visão de mundo esteja presa pela teoria que uso para dele fazer um diagnóstico. Não acho que ela seja "auto-consciência burguesa". Pra mim "auto-consicência burguesa" é assisitir Tropa de elite (nada contra filme, que é muito bom!).
O diagnóstico que ela me dá mostra as entranhs do sistema, sim! E como diagn´sotico não abrirei mão dela!
Mas marxismo tradicional como forma de ação política está falido e não é porque ele só "veja o econômico", é porque foi burocratizado, alienou-se. E porque a sensação de impotência invadiu nossas visa como um todo, não só nossa esfera de trabalho. Por isso ela falha em ver saídas, por isso Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia viram guerrilhas patrocinadas pelo narcotráfico.
Quanto a outras formas de sociabilidade, como vc gosta de mostrar, já disse, para mim sobrevivem a duras penas, qdo o fazem. Acho tudo muito bonito, mas não vejo efetividade nenhuma nisso.
Pode ser, como já disse em outro post há tempos remotos, que exista um mundo lindo, onde vários já habitam, e só meus olhos não vêem.
Mas, como você me falou em email, sim! A mudança deve vir de dentro das contradições do sistema, como um vírus, uma doença.

jholland disse...

Eu penso assim: seja livre. E faça, com sua liberdade, todos os que estão à sua volta igualmente felizes e livres. Se voce conseguir isso - ou tentar com sinceridade fazê-lo - terá realizado a obra de uma vida.

Iansã disse...

Esse é um exercício diário, se tudo que pensamos pensamos verdadeiramente. O fato é que diante de tanta merda, isso sempre me parece muito pouco...

Iansã disse...

Acho que toda vez que entramos nessa polêmica do marxismo ser uma teoria totalizante (como vc vê)ou marxismo como teoria que desvenda o caráter totalizante/englobante do capitalismo (como eu vejo), acabamos saindo da discussão teórica e indo para uma conversa que fica pessoal.
O que quero deixar claro é que as diferenças não são pessoais, são teóricas/epistemológicas. è claro que quero construir um cotidano, no plano individual, privado, com relações não alienadas. è claro que existem pessoas tentnto se socializar de outra forma por aí. Mas para mim, deve existir um compromisso que vai além disso, quando partimos para discussões teóricas e tentativas de compreensão do mundo contemporâneo. O que quero dizer é, se temos essa ambição "intelectual" é preciso se engajar para além da vida cotidiana. Senão, todo nosso excercício aqui vira uma "intelectualismo" auto-referente e complacente. Toda teoria e toda tentativa "intelectual" de compreensão do mundo deve estar permeada de comprometimento com ele, senão torna-se onanismo.
E para mim, engajar minha tentativa de desvelamento dos mecanismos englobantes do sistema significa engajar para além das mudanças, que obviamente seguem paralelamente, em minha vida cotidiana.
Vou postar em breve outro texto, agora amparada em Jameson, para ver se continuamos a discussão, mas no nível da teoria/epistemologia.

jholland disse...

Hehehehehe...
Então vou te provocar mesmo !!
Pois aqui "penso que pensamos" diferente mesmo, hehehe...
Na verdade, minha idéia era não mais me alongar nessa discussão, por 2 motivos: 1) por amor à concisão (ou seja, creio que uma leitura bem atenta de tudo o que escrevemos acima deixa claro todos os pontos de convergência e divergência), de modo que corremos o risco de ficarmos repetindo...2) porque receio que talvez fosse inútil. Porém, obviamente, algumas idéias tb me vieram à cabeça e podería bem colocá-las aqui. Então, como vc continuou, resolvo agora falar mais alguma coisa.
1) o ponto mais importante de todos diz respeito justamente à relação coletivo/individual. Aqui, de fato, considero que não há cisão. Ou seja, a forma como vemos, sentimos, agimos e teorizamos são uma única coisa. Se nós pensamos em teorizar de um jeito, mas vivemos de outro, estamos diante de uma cisão, cuja causa aquele que "teoriza cindidamente" desconhece de fato. Quando superamos essa cisão, "a paisagem mental" se amplia, nossa visão de mundo também e a ação no mundo ocorre naturalmente. Portanto teoria e prática são sempre uma única coisa, quer queiramos isso ou não, quer aceitemeos ou percebamos isso ou não. Quando um eminente professor de Filosofia dá uma ótima aula sobre algum teórco "revolucionário", mas sua ação (do professor, do teórico ou dos alunos, pouco importa) limita-se ao blá-blá-blá, é porque a própria teoria está desvinculada do "Ser" e portanto é uma má teoria (cisão psíquica = cisão teoria x prática). Acho que Marx já andou falando algo parecido, hehehe...Portanto, em minha visão, não dá para cindirmos a discussão teórica da análise pessoal, NOSSA auto-análise, enquanto pessoas, seres-humanos.
2) Por isso, se nós estamos TÃO profundamente sensibilizados com sofrimento do Outro, o que nos impede de, agora mesmo, neste instante, desligarmos o computador, e sairmos para a rua, dedicando tempo integral a essa causa ? Por que andamos de carro ou a pé todos os dias e passamos indiferentes ao sofrimento que, como vc disse, está bem à nossa frente ? Ora, a questão diz respeito justamente ao fato de que NÃO ENXERGO O OUTRO COMO UM IGUAL. E, indo mais além, nem mesmo ENXERGO A MIM MESMO COMO UM SER HUMANO. Tudo bem, voce irá dizer: Fetichismo !! OK, sem dúvida, nunca neguei isso. Porém, como dissolver o Fetichismo ? Jogando pedras no Bradesco ? Jogando Bombas em todos os supermercados do mundo ? Sequestrando o Bush ? O alcance de ações desse tipo redundariam em mais fechamento ideológico, evidentemente. A Matrix não está fora, mas sobretudo dentro de nós;
3) não podemos dar mais do que temos. Explico: se não sou livre, se não me enchergo como um ser-humano, se meu psiquismo se encontra obliterado e cindido, se minha identidade é uma construção "espetacular" não consiguirei enxergar o outro, nem mostrar que ele pode ser livre, nem mesmo consigo sair desta cadeira. Passo por um mendigo e dou minha maçã para ele...É suficiente ? Não !!! "Tentei chorar, mas não consegui !" (lembra-se dessa música ?); 4) quem é o "outro" e quem "sou eu" ? Atualmente, devo dizer: para 99,99%das pessoas, somos todos meta-identidades; personagens em um palco ("A Representação do Eu na Vida Cotifdiana", Sartre etc...). Isso nos imobiliza. Não tenho como nem porque sair da cadeira emquanto não tiver idéia: a) do meu sofrimento: sim, é verdade, nosso sofrimento é tão grande que nem mesmo conhecemos nsua verdadeira dimensão ! b) e, por decorrencia, do Outro, que nem sequer sabemos que existe (pois só temos uma visão turva desse Outro, é uma representação "fetichizada".

Bjs

jholland disse...

(...continuação)
Não se trata assim de uma questão teórica ("vou teorizar sobre o fetichismo" etc) ou epistemológica, APENAS. Tudo bem que posssamos tratar disso, mas é insuficiente. A questão do fetichismo e da cisão é de natureza existencial, atingindo todas as esferas, simultaneamente. Talvez a melhor forma de dizer isso, tal como Debord o fez, seja decretando o FIM DA TEORIA. Sim ! Estamos diante do fim da teoria, da política , da arte, de todas as esferas, enquanto esferas autônomas. Trata-se não apenas de uma Crítica da Razão, mas da necessidade de uma transmutação pessoal profundíssima, que me possibilite a APREENSÃO DA REALIDADE SEM MEDIAÇÕES. E aí discordo frontalmente de vc: as mudanças pessoais podem ter um alcance INFINITO.

Iansã disse...

Você sabe que concordo e discordo de você."A Matrix não está fora, mas sobretudo dentro de nós".
SIM, CLARO, CONCORDO! Minha mudança pessoal é imprescindível, mas meu caminho intenlectual precisa "Sair agora mesmo da frente do computador e ir às ruas", achar um caminho. Essa sou eu, sou assim. Há anos me pergunto o mesmo, se me sinto tão sensibilizado com o outro por que não saio agora mesmo de casa? Os anos passam e eu não acho uma resposta, e eu me cobro todos os dias de manhã, todos os dias antes de dormir. O que você fez quanto a isso além de sentar e se lamentar?
Sim, não sai de casa porque também não sou livre. E não sou livre porque a matrix está dentro de mim, porque todos os meus sentimentos foram colonizados.
MAS. A seta que aponta pra dentro, pra mim também deve aponta pra fora. Isso quer dizer que sequestrar o Bush, pra mim, seria uma ótima idéia. Explodir o quarteirão financeiro de NY (mais uma vez Clube da luta), seria fantástico.
Você falou em não conseguir chorar, da música, eu falo de não conseguir chorar nem dormir como o portagonista do Clube da luta. Ele só consegue chorar e portanto dormir de novo, quando começa a frequentar associações de ajuda (tipo AAA, pessoas com câncer de pulmão, portadores de parasítas, etc.) esse é seu novo vício, sua nova droga. Quando isso não funciona mais ele "pira o cabeção" e cria coragem de liberar um alter-ego que é "Mais livre" que ele "em todos os sentidos". O que ele faz? resolve explodir o quarteirão financeiro de NY, fantástico!Não preciso ser totalmente livre - questões em mim sempre estarão por ser resolvidas - mas devo ser capaz de usar o pouco de liberdade que conseguir pra fazer alguma coisa que MATERIALMENTE abale as estruturas de um sistema que só reforça nossa fraquezas.
Essa é minha posição.
Só queria reforçar que, não é a teoria que é totalizante e o sistema que ela desvenda. O sentido disso estará melhor colocado em outra postagem.

jholland disse...

Mas o sistema não é material ! Não é algo novo. Não é particular ao Capitalismo. Nem foi descoberto por Marx ou Hegel. Já foi detectado há milênios e sempre existiu. Nâo está na sociedade de classes, nem nas estruturas mateirais, que são apenas reflexos, projeções disso.
Vc nunca vai abalar mateiralmente as estruituras do sistema, mesmo que exploda NY inteira, pelo simples fato de que o SISTEMA NÃO É MATERIAL. É uma coisa óbvia: exploda NY e o que acontece ? Nada. Voce reforçará o sistema. Temos até uma evidência prática disso, bem na nossa frente: Bush fez isso, implodindo o WTC. Exploda NY e o que vc consegue, NA VERDADE: apenas uma (pseudo-)satisfação SUA, somente SUA. A ilusão de ter feito algo, sem ter feito nada. São seus 15 minutos de fama. Uma anestesia para o desespero particular, pequeno-burguês. Infantilismo da esquerda. Niilismo desesperado que não nos leva a nada. Apenas desencadeia uma rede de causas e efeitos (mentais, a princípio; depois em ações) que reforçará a visão e a cadeia desses mesmos pensamentos.
A ditadura é do PENSAR (a identiicação de que o Ser, a Mente, são os pensamentos); cada um de nós é escravo de uma rede de PENSAMENTOS, que nos aliena; esse é o sistema. É reproduzido por cada um, enquanto estivermos em um jogo mental de pensamentos que nos impede de viver de fato!

jholland disse...

Como a discussão está muito boa, estou tomando a liberdade de postála no meu Blog pessoal (Metamorficus), OK ?

Bjs

Iansã disse...

Ficaremos no jogo eterno do é e náo é material. Sim, é material! E continuar por esse viès não vai mais seguir adiante. Essa é uma afirmação importante e uma divisão de nossos pensares que não serão resolvidas.
Pensar junto, nesses termos, é sempre uma tarefa inglória. Por isso ficamos alguns momentos sem discutir essa diferença absolutamente central.
Pelo pra zer de sentir que ainda podemos pensar o mundo junto de quem a gente gosta e admira.
Mas quando você afirma que não há uma especificidade na época em que vivemos, que não há uma especificidade no advento do capitalismo que possibilitou tamanha alienação e tamanha barbárie travestida de civilização... quando você afirma que isso não tem conseqüências materiais... então os caminhos se separam. E é preciso admitir isso.

Iansã disse...

E se separam porque a verdade não é a sua nem é a minha. Não poderemos resolver um problema de pressuposto. Como o próprio nome diz, são pré supostos, e estão ligados sobre uma "irracionalidade", no sentido de que não pode ser argumentado e contra-argumentado, mas apenas sentido.

Iansã disse...

É claro que destruir NY não é o mesmo que deswtruir o sistema (nesses momentos sinto como meu talento não é escrever, como me fez acreditar na infância, meu pai). Só queria deixar isso bem claro. Não é essa a leitura que faço do Clube da luta, nem é essa a leitura que faço de V de Vingança. E pretendo ser justa quando vejo a viloência como resposta, não porque a destruição material do sistema seja sua destruição plena. Mas porque seja um sintoma. Não sei se me fiz entender, mas estou um pouco cansada para explicar melhor. Que sabe uma hora possa me fazer entender...